23 de novembro de 2004

Decadência

Não é sinal de nenhuma pujança ver a cidade perder população a cada ano que passa, senti-la esvaziar-se de crianças e de jovens, notar que cada vez mais velhos confluem para as praças, à procura do sol e do entretenimento do jogo de cartas. Não é sinal de vitalidade verificar que o comércio definha à míngua de clientes e que as prateleiras acumulam pó à falta de movimento e de produtos. Não rejuvenesce uma cidade velha, de degraus cambados nas soleiras das portas e de olheiras de granito nos arcos das janelas, quando se embeleza artificialmente por fora, carregando-se de rouge e de baton ordinários, comprados em lojas de chineses. Não se revitaliza uma cidade que renova ruas, assenta paralelo e pedras de granito, estende carris para eléctricos que nunca hão-de afagar-lhe a ferrugem trazida pela invernia.

Morre num regime de morte lenta a cidade que se arrasta, coxeando, apoiada na segurança da bengala, a caminho de Agramonte ou do Prado do Repouso. Sítios únicos e fatais onde a densidade demográfica vai crescendo a cada novo funeral. Morre a cidade que pela noite dentro se abandona ao nevoeiro denso e frequente, às ruas desertas e à luz mortiça dos candeeiros onde já nem cães vadios alçam a perna. Morre a cidade que pela madrugada fora se torna irascível e violenta, que acoita marginais, traficantes e pobres diabos. A que deixa que nas suas barbas se cometam violentos homicídios e passem incógnitos e impunes os respectivos responsáveis.

Não renasce a cidade que viu fecharem-se quase todos os cafés a cujas mesas pulsava grande parte da sua economia. Nem renasce quando assiste, indiferente e despreocupada, ao encerramento progressivo das escolas por falta de alunos. Não se renova a cidade que abandona ao silêncio e à derrocada os edifícios públicos e privados, como salvados arqueológicos. Não se renova com as pinturas das fachadas da Viela do Anjo, com o piso novo da Rua Escura, com a reciclagem de pobres toxicodependentes e uma outra geração de empresários do tráfico. A cidade não se renova e não renasce votando-se ao abandono e abandonando-se à ruína.

Hoje sobrevêm-me esta amargura com o Jornal de Notícias e o encerramento da Escola Carolina Michaelis, depois de outras. Com a constatação dos edifícios ao abandono como o palácio dos condes de Azevedo, o edifício da Escola Cal Brandão, a Casa de Reclusão Militar. Fica o registo e que bom seria que não passasse de registo. Infelizmente passou, de há muito!

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