26 de novembro de 2004

Megalomania

O exemplo mais fiel da mania das grandezas e da arrogância dos pequenos e insignificantes é a do caniche, resguardado - a palavra foi adoptada do léxico oficial dos últimos dias - na varanda do primeiro andar, ao colo protector da dona, ladrando freneticamente enquanto esperneia, a um ausente e desinteressado pastor alemão que passa na rua e que só para para alçar a perna num candeeiro de iluminação pública. De longe e com as costas quentes sempre todos os pequenos foram valentões, sem que a figura queira ter conotações com casos conhecidos e reais.

Portugal comporta-se tradicionalmente como um caniche a que falta o seio abundante e acolhedor de uma selecta tia da linha de Cascais. Mas o que lhe falta do conforto que um bom e rico par de mamas pode proporcionar sobra-lhe, seguramente, na valentia com que ladra aos passantes e na disposição com que ameaça engoli-los inteiros, com ossos e tudo. A arrogância é uma epidemia nacional que abrange tudo, mesmo quando os resultados e as estatísticas nos reduzem àquela dimensão terceiro-mundista de que falava Melo Antunes.

Há dois anos uma selecção nacional de futebol partia para terras do oriente, a representar o país num campeonato do mundo. Nos cumprimentos de despedida o primeiro-ministro da altura, arrogantemente, fazia a encomenda: tragam a taça! Nada de contenção que essa é para as pensões, o salário mínimo e os aumentos dos ordenados. Podia ter dito: dignifiquem o país, honrem as camisolas e a bandeira nacional, consigam o melhor resultado que estiver ao vosso alcance. Coisas assim rasteiras, vulgares e banais que poderiam ser pedidas por um qualquer Tony Blair ou George W. Bush com quem Deus não foi muito benevolente no que respeita à inteligência medida a metro.

Este ano um imigrante brasileiro, contratado a mais de trinta mil contos por mês, regressado vitorioso do tal oriente onde - como sempre - nos perdemos, pintou com palavras simples as paredes do país de vermelho e verde e fez do samba a canção nacional. Antes disso já as sumidades em que o Entroncamento é fértil tinham edificado estádios novos com dinheiros que não havia, que não eram precisos para nada e que, de um modo geral, ninguém hoje sabe para o que servem. Quanto à taça, como dois anos antes, viste-a! Tudo correu bem, fomos fortes, prometemos mundos e fundos, quisemos em vida todas aquelas virgens que os islamitas parece que têm depois de mortos. Foi o que se sabe: começámos gregos e acabámos ainda mais gregos.

Agora é reincidente o comandante Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal. Meteu-se-lhe na cabeça que Lisboa há-de ser candidata à realização de uns jogos olímpicos: é a habitual mania das grandezas nacional, a arrogância resguardada do caniche, o ridículo do valentão a gritar para que o segurem. Não se exige ao comandante Vicente Moura que conheça o país, que saiba o que tem e que faça uma ténue ideia do que precisa. Mas exige-se-lhe que tenha ao menos senso comum e sensatez mínima. A não ser assim ainda o país o recupera como garboso militar e lhe impõe o grande projecto nacional de reconquistar Olivença e dominar terras de Espanha, de Badajoz aos Pirinéus. E imbua-se o comandante de sentido patriótico e de espírito de poupança. Não queira contribuir para que os pensionistas e os beneficiários do salário mínimo esbanjem os aumentos de nove euros na compra de bilhetes para ver provas de salto em altura.

1 Comentários:

Às 9:41 da manhã , Anonymous Anónimo disse...

Excelente post, merece uma referência (domingo 00h00)
Um abraço
Jumento (http://jumento.blogdrive.com)

 

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