Serralves, antes que o inverno acabe
Serralves
é uma rua por onde ninguém passa, um portão por onde se entra, um mundo inteiro
que se estende sob os nossos pés e se alarga para lá do nosso olhar. Serralves
é um edifício de que quase se não dá conta, um museu, Álvaro Siza escondido em
cada recanto de luz que enche todos os espaços e jorra de todas as janelas. Um
labirinto em que apetece perder-mo-nos, uma ansiedade que se dissipa, um fármaco
que se poupa.
O
edifício é novo, arejado, sóbrio. Tanto que se não dá por ele e se não consegue
descrevê-lo com um mínimo de rigor. Tudo o que se pensar ou que se disser fica
aquém do que se vê e do que se sente. E
no entanto ele está ali, discreto, quase perdido junto ao muro que protege uns
vastos hectares de terreno, como se tivesse resultado de escavações
arqueológicas que não buliram com o meio ambiente. Percorre-se-lhe o espaço que
ocupa, as salas que se sucedem, as exposições que exibe e a luz que se não
perde. Que não nasce a oriente e que se não põe a ocidente.
O
parque fica para lá dos portões sempre fechados, por onde ninguém entra, salvo
nos dias festivos, de ainda maior afluência e acessos grátis, tanto quanto sei.
E espraia-se por terrenos diversos, acolhe flores, aromáticas, espécies
seculares, desce escadas, contorna lagos, uma pausa algures para um café. Uma
alameda de liquidambares que os biólogos um dia me dirão o que são, onde a
primavera começa e o inverno acontece. E, sorrateiramente, acaba se nos
descuidamos. Tenho uma paixão no parque, silenciosa, convicta, para toda a
vida. Um castanheiro, junto ao roseiral, ainda de ramos despidos, erguidos em
prece para que a explosão da primavera lhe traga roupa nova.
A
casa dá o nome a todo o espaço, com a entrada principal virada a norte, onde
corre, tranquila, a rua de Serralves. O portão fechado, a porta principal
também. A cor rosa empresta-lhe um ar distinto para que sobressaia no meio do
ambiente deslumbrante que a rodeia. Ali morou gente, dali se avista tudo, ali
pisamos mármores que já serviram outros propósitos, deles se fez conforto de
lareira, requinte de escada, utilidade de banheira.
Por
isso Serralves tinha de ser. Rapidamente, antes que o inverno acabe!
1 Comentários:
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