Domingo
Domingo.
Quando o dia clareou era um mar de náufragos que amanhecia nos teus olhos.
Braços erguidos, verdes, azuis, vagas de sete metros, as barras encerradas à
navegação, todos os navios fundeados ao largo, o convés deserto de todos os
marinheiros. Só mar para cá dos navios, a imaginação líquida para lá do
horizonte e da esperança da fome ser só passado, já sem vítimas, sem memória e
sem coordenadas.
Tu
de braço dado com a persistência da chuva, os cabelos sem cor escorrendo-te
pelos ombros, espalhando rios de sol e de futuro, só verde e calma, nos leitos
e nas margens. Nem pescadores à linha especados à sombra esquecida da espera,
inofensivas minhocas como isco, enforcadas nas pontas assassinas dos anzóis.
Tudo como se Deus existisse e fosse daqui. Como se os rios não transbordassem e
o mar, e a terra, e o céu fosse toda a harmonia de que nos contam os livros. E
o azul fosse só um, sem tonalidades nem diferenças, azul tão claramente azul, sem
azul nenhum, nem cor, nem preconceitos em que nos afogam o sonho e o destino.
Só
nós e este bando infinito de gaivotas,
ameaçando o silêncio e o temporal que se precipita das estrelas, cassiopeia,
ursa maior, cruzeiro do sul, para que lado fica o oriente? O mesmo oriente que
Pessoa descobriu, entre a Ode Marítima e um copo de vinho numa taberna do
Chiado. Só nós, duas mãos e um destino, os dedos entrelaçados na rigidez deste
frio do inverno. Plenos de tudo e de esperança. A chuva persistente, o dia
magoado, o sol que mora a oriente. O domingo também acaba!
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