Um sítio não é um país
Se
este sítio fosse um país não tinha o génio de Eça na literatura nem a pobreza
envergonhada de Cavaco em Belém, sem conseguir pagar as despesas domésticas e
julgando-se presidente da república. Ser um sítio, apesar de tudo, tem vantagens:
o quotidiano é de todo previsível, não há factos relevantes, tudo é rotineiro,
a normalidade está instituída em relação a tudo e a todos. Claro que
desvantagens também tem: só verdadeiros agiotas emprestam dinheiro a miseráveis
tesos cobrando, naturalmente, as taxas de juro que lhes vem à cabeça.
Ser
país implica outras responsabilidades e confere também, naturalmente, alguns
direitos. Num país seria surrealista que o titular de um orgão de soberania
viesse a público fazer um discurso de mais de quatro minutos para dizer que
estava calado. O que desde logo evidencia uma de duas coisas: ou dizer que se
está calado é realmente muito difícil ou então quem está calado tem realmente
problemas bicudos de comunicação e não sabe como dizer que está calado. Embora
eu confesse que isto me confunde, porque gosto especialmente do discurso do
homem quando se mantém calado. E, mais do que isso, até acabo por compreender
tudo o que não diz, mesmo que nem sempre esteja de acordo.
Num
país seria um escândalo ter um Dr. Borges como primeiro-ministro substituto,
com o cargo oficial de consultor, pago pelo coitado do Zé Povinho a preço de
ouro e tê-lo também como assalariado da maior mercearia do país para aconselhar
sobre as conveniências da osmose entre as mercearias e as casas de saúde. Ou
entre as secções de frescos e os centros de hemodiálise. Que são coisas tão
parecidas entre si como o toucinho é idêntico à velocidade.
Num
país um Valentim Loureiro, mesmo com um aristocrata “de” no meio, nunca
poderia ser militar de carreira ou
autarca modelo, tendo por especialização a batata e o respetivo preço, sem
saber nada de armas automáticas, de submarinos ou da guerra de 1914-1918 do
ilustre, e saudoso, Raúl Solnado. E de há muito que um qualquer tribunal teria
feito cumprir uma sentença ainda pendente e que determina a perda do respetivo
mandato. Com ele a assegurar que a sentença já não vale porque o juiz se
aposentou.
Num
país um ministro como Miguel Relvas nunca seria nem Dr nem ministro por
equivalência, tendo passado por uma escola superior para uma festa de receção
ao caloiro e para aliviar a bexiga, que há coisas superiores à vontade de um
homem. Num sítio, como se sabe, o homem sabe de tudo e nós de nada. Nós
entramos na peça pobres e ele sairá milionário. E ainda virá à boca de cena
para os encores...
Num
país não teríamos um Dr Duarte Lima em prisão domiciliária com pulseira
eletrónica, numa habitação de luxo com deslumbrantes vistas sobre o Tejo,
ouvindo música clássica e exercitando as suas habilidades ao piano. Sem,
todavia, ter de chegar ao exagero de lhe reservar o tratamento dado ao
extraditado patriota Dr Vale e Azevedo, que não teve sequer uma sanita em
condições onde pudesse sentar o ilustríssimo rabo, habituado a outras mordomias
por terras de sua majestade, à custa do nosso dinheiro.
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