O Sporting
Não
sei se Vasco da Gama já teria regressado da descoberta do caminho marítimo para
a Índia. Mas sei que D. Sebastião ainda continuava ausente na demorada campanha
de Álcacer-Kibir, à espera da manhã de nevoeiro que lhe camuflasse o regresso.
Seria eu um rapazola mais novo e menos ilustre do que o senhor Manoel de
Oliveira. Duarte Lima ainda nem seria sacristão, quanto mais político,
empresário, magnata, arguido em processo de homicídio, pombo-correio retido em
pombal de luxo, duplex, com uma anilha pendurada de uma das pernas. Gaspar
ainda não teria dito a primeira palavra: austeridade, e corria pela casa,
cambaleando, de cueiros. Nem sonhando que algum tempo depois uma campanha
virada para as novas tecnologias lhe poria à disposição um Magalhães, daria
muitos rendimentos sociais de inserção a uma fundação manhosa, confortáveis
comissões a desinteressados patriotas e faria dele um utilizador do Excel e um ministro.
Para regalo da freguesia e orgulho do pároco.
Por
essa altura, em final de época, o Sporting viajou para Angola num bonito Super
Constellation, utilizando motores de hélice e fazendo não sei quantas escalas
pelo caminho. Depois subiu até cerca de 1700 metros de altitude, para o
planalto central do Huambo, onde o ar ligeiramente rarefeito já dificultava o
esforço. Perfilou no melhor campo da terra uma equipa a que ainda sobravam
Vasques e Travassos como sobreviventes dos cinco violinos e defrontou a seleção
do distrito. E, embora com alguma dificuldade, ganhou. O respeitado Zé da
Europa marcou os dois golos da vitória e terá tido como prémio alguma Canada
Dry e alguma sandes de presunto. Vem-me daí alguma simpatia pelo clube que,
pese isso embora ao adversário do outro lado da segunda circular, foi o único
que até hoje alinhou nas prateleiras os troféus correspondentes a quatro
campeonatos seguidos. Mas isso foi no antigamente, na vida, quando os animais
falavam. E o senhor Pinto da Costa creio que até ainda era solteiro.
Depois
as coisas mudaram e a bagunça instalou-se e foi evoluindo. Os adeptos deixaram
de desejar troféus e passaram a contentar-se a cada domingo com uma vitória,
até com um empate, depois mesmo com uma derrota, desde que fosse por poucos. As
direções foram-se sucedendo e as equipas também. Qualquer um trazia projetos
infalíveis e equipas invencíveis que, fatalmente, falhavam antes do Natal e
eram derrotadas antes do outono. Com Godinho Lopes veio um treinador novo, um
administrador e um diretor desportivo a cheirarem a bafio e uma equipa
contratada à custa do aumento da dívida, tal como o país. Tal como o país,
falharam. E o presidente começou por decidir e iniciar a construção do novo
edifício. Pelo tecto!
Despediu
o treinador e continuou a pagar-lhe. E este, sem necessidade de ansiolíticos,
foi-se mantendo no conforto doméstico, lendo os jornais desportivos, vendo a
casa dos segredos e frequentando desfiles de moda. Para sua substituição trouxe
um antigo jogador da casa, rápido no pontapé e forte no murro. Este deu uns
gritos no balneário, agarrou alguns colarinhos, ameaçou apertar alguns
percoços, ganhou alguns jogos. Depois foi ao estádio de Oeiras perder a Taça de
Portugal para a Briosa, com um golo marcado prematuramente, parece que obtido
ainda no túnel de acesso ao relvado. Pior ainda, parece que sem culpas do árbitro.
Perdoou-se-lhe, tal como Deus o presidente é grande!
Para
a nova época contraram-se estrelas sem brilho com cheques sem cobertura, duas
vulgaridades. As coisas começaram mal, evoluiram para pior, acabaram péssimas.
O Sporting perdeu até o estatuto de favorito em todas as arenas. Chegou à
Hungria como favorito e regressou como goleado sem apelo nem agravo. Mandou-se
embora o treinador, substituiu-se por um precário, prometeu-se um novo. Nem o
novo foi anunciado nem a equipa passou a ganhar e acabou eliminada da Taça no
primeiro jogo. O administrador e o diretor desportivo renunciaram aos cargos.
Indiscutivelmente a equipa não ganha por culpa dos treinadores, dos
administradores e dos diretores. Mesmo que os jogadores marquem golos na
própria baliza, rematem para a bancada, treinem na Churrasqueira do Campo
Grande e estagiem no Elefante Branco!
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