A ética
Há
uns anos a esta parte a D. Teresa Guilherme, essa figura ímpar da cultura
pátria e da casa dos segredos, inquirida sobre a ética, respondeu do alto
prestígio do seu pedestal, combinando a erudição com a exuberância do
vernáculo, mais ou menos o seguinte: quem tem ética está fodido! A afirmação
terá feito corar de inveja o professor Eduardo Lourenço e mexido com os restos
mortais de Agostinho da Silva. E adivinha-se que na Sé de Coimbra, D. Afonso
Henriques terá ameaçado sair do túmulo, mesmo sem licença de exumação, para lhe
declarar o seu apoio e expressar o seu reconhecimento por, passados tantos
anos, alguém finalmente lhe ter feito justiça.
De
facto tivesse ele, filho de conde e pretendente a rei, tido alguma ética em
Arcos de Valdevez e ter-se-ia curvado perante a mãe, mostrado mais o cu e
fodido a nacionalidade. Em vez disso levantou-lhe a mão, encerrou-a numa
masmorra e foi-se por domínios serracenos abaixo, conquistando, subjugando,
pilhando e expandindo a fé e o império que nascia. Alguém por ele, seguindo o
axioma da D. Teresa Guilherme, o tentaria muito mais tarde. Mas, mesmo com tudo
o que de mal lhes atribuem, nem os espanhóis Filipes o conseguiram em sessenta
anos de persistentes tentativas.
E
só, finalmente, nos dias que correm, os empresários e o senhor António Mexia, a
tal de troica e os seus empréstimos concedidos a taxas de juro de agiota e
ainda o governo com sede em Massamá e o senhor António Borges, se convertem aos
incontornáveis princípios da ética. Antes deles, por experiência e aturado
estudo, só o ministro Relvas descobrira a ética em África, pela mão da D.
Isabel dos Santos, que vai comprando o país aos retalhos enquanto ele, lidos os
manuais da D. Paula Bobone, lhe beija a mão, submisso, reverente e obrigado. E
sonha com a alquimia que permite à senhora transformar em dinheiro toda a fome
que mata crianças de Cabinda ao Cunene, e em merda toda a riqueza que jorra dos
poços de petróleo do país, sejam eles “offshore” ou não.
Nesta
linha evolutiva que nos há-de levar ao céu e de visita a Belém num qualquer dia
10 de junho, o país dispõe de um conselho nacional para as ciências da vida,
com direito a CNECV como sigla e a Miguel Oliveira da Silva como presidente. E
este, claro e eticamente, com direito a automóvel topo de gama, motorista
fardado, ajudas de custo, cartão de crédito e subsídios de férias e Natal para
poder ir à terra, algures numa praia do oriente, onde as águas sejam tépidas e
as tartarugas para os passeios incluídas nos serviços, sem aumento de preço. E,
com coragem e valentia, acaba finalmente decretado o racionamento ético de
vários fármacos mais caros. Mas um racionamento implicíto, note-se bem, por
palavras passadas de boca em boca às esquinas dos corredores e nos bares onde
se saboreia a bica. O decreto virá a seguir, linear e transparente, explícito e
sem subterfúgios: a favor do orçamento, mate-se, que o medicamento é caro e a
doença é oncológica.
Mas,
por favor, senhor ministro da saúde, com o sem simulação numa qualquer folha de
Excel: tenha presente que este governo é um cancro!
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