Cinco anos
Durante
cinco anos minha Mãe! Dia a dia, mês a mês, ano a ano. Não sei dizer-te como mas,
arrastando-me, aqui cheguei. Na data e à hora exata, como se alguém ou alguma
coisa pudesse impedi-lo. Sabes que aqui estaria sempre, mais triste, mais só,
mais dilacerado pelas lágrimas que se me secam nos olhos, olhando-te calado
como se sorvesse cada uma das palavras que não dizes. Não é preciso lembrar-me
de nada, todas as recordações vivem comigo. Uma eternidade de cinco anos
depois, como se fosse apenas meia hora que tivesse passado. Nunca vou
perder-te, recuso-me. E não vou responder-te nada, basta que sintas o silêncio
dolorido que te verto no regaço para que me entendas. Vejo-o no sorriso juvenil
que salta da moldura onde estás refém de uma fotografia que espalhei por cada
canto desiludido dos meus dias.
Só
sei que me vens mirrando, e calo-me. Doce e tranquila como sempre foste e como
te ensinou a vida amarga que te levou pelos primeiros carreiros da infância.
Começou por se te mirrar o corpo, ao peso excessivo dos anos e da diabetes.
Depois mirrou-se-te a memória recente, por força de uma Mãe tua, frágil,
determinada e vertical. Deixando exemplos que o país não aprendeu e um trajeto
que vem passando de geração em geração. A veneração que lhe dedicavas, o
cuidado preocupado com que me perguntavas por ela, uma santa. E ela à sombra de
um cipreste, o único, que a junta mandou abater, sem que houvesse outras
sombras em volta. Como continua a não haver, nem de sobro que fosse.
Depois
mirrou-se-te a consciência, o que mais me doi, ao peso da idade e da
arterioesclerose. Começaste a mirar-me, silenciosa, recriminando-me pelas
ausências longas. Que não davam tempo ao ponteiro dos minutos para que desse a
volta ao mostrador do relógio que guardo no meu peito. Alternaste o sorriso
breve com o choro silencioso. Sem palavras e sem lamentos. Sei de cor todas as
palavras, não precisas de mas dizer, soltam-se-me as lágrimas só de as evocar.
Mas não sei de nenhum lamento, nunca to ouvi, não posso recordá-lo.
E
pergunto-me, minha Mãe, como é possível que nunca te tenha ouvido uma queixa,
um lamento, um desabafo. E continue a não to ouvir passados que são estes cinco
anos em que se te mirrou ainda mais o corpo e a consciência. E a minha saudade
se chama choro e a minha vida se chama desesperança!
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