16 de setembro de 2012

Revolta geral


Ao princípio da tarde o calor era sufocante, o seu peso abafado parecia ir prejudicar a aproximação de pessoas e de ideias. Mas não há canícula que vergue a revolta nem sol escaldante que vença a razão. Faltava a sombra acolhedora, mas sobrava um céu azul sem nuvens, a determinação e a certeza de que, afinal, é possível.

O coração encheu a Avenida dos Aliados, de praça a praça. No sentimento espontâneo das palavras de ordem improvisadas, no sentido das lágrimas vertidas à dimensão do desespero, na natureza rudimentar dos cartazes empunhados, reclamando dignidade, um futuro para os filhos, a qualidade de homens livres para as gerações futuras.


Podem ter sido os cem mil de que falam or jornais de hoje. Mas não foi um cartão vermelho, mesmo violento, para o poder instituído. Não estava em causa uma equipa de futebol ou um árbitro, estava e está muito mais do que isso. Está o direito inalienável de participarmos na construção do nosso presente, do futuro dos nossos filhos, da esperança dos nossos netos. A começar pela definição das regras por que se deve reger a nossa vida coletiva.

Muitos dos nossos direitos não podem ser delegados, ninguém pode ter competência para nos representar e definir, em proveito próprio, as regras e a eternização dessa representação. Para continuarmos a assistir à pouca vergonha e à falta de decoro que a classe política exibe, perfeitamente consciente da impunidade dos seus erros, negligentes ou dolosos. A mudança de governo é um simples meio, mas não é um fim em si própria. O fim é a mudança de regime, a alteração das normas apenas definidas por quem vai a jogo, a participação vinculativa nas decisões de maior impacto e de mais ampla abrangência.

Não fomos ouvidos sobre a adesão do país à União Europeia. Não fomos consultados sobre a inclusão de Portugal na zona monetária do euro. Se o tivessemos sido, provavelmente ontem à tarde as ruas das cidades não teriam transbordado de gente carregando a revolta e o desespero. Tal como transbordaram!

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