Senhor dos Passos
Não
sei que circunstância aziaga me levou à sua página do Facebook, uma dita rede
social que fez de um garoto americano um multimilionário e onde se promovem novas
amizades, encontros fortuitos, se consumam engates, se criam relações virtuais,
se publica poesia de inspiração divina, se revelam escritores sem obra, se
bajula quem interessa e se insulta impunemente quem calha. E, pior do que isso,
se acolhem políticos tontos, incapazes, incompetentes e mal intencionados que,
como diz o povo, dão o cu e oito tostões por duas linhas de propaganda e pela
perspetiva de um voto que seja, mesmo para qualquer junta de freguesia ainda
por extinguir.
Mas
acrescente-se, em abono da verdade, que num país onde um Sócrates ou um Passos
chegam a chefes do gabinete, um Relvas se licencia por equivalência e é
ministro sem ela, um Álvaro descobre o caminho marítimo para o Terreiro do
Paço e um Gaspar abandona o traje de fantasminha simpático para usar fato e
gravata, tudo realmente é de esperar. Menos a verdade, menos a transparência,
menos a clareza de intenções e de propósitos. Menos a justiça, que até tem
também uma ministra, um procurador e meia dúzia de tribunais onde os processos
são antiguidades.
Vejo
que V. Exa. opta desde logo por um tratamento informal, tu cá, tu lá, como se
todos fossemos vizinhos em Massamá, passassemos as tardes no mesmo centro
comercial ou tivessemos frequentado juntos as novas oportunidades, ao menos nas
aulas dos domingos depois da missa. Amigos? Por acaso sabe V. Exa. o que são
amigos? Consultou um dicionário, esclareceu-se com um antigo professor
primário, perguntou a qualquer um dos sem abrigo que habitam as noites dos
portais das lojas da baixa? Eu não o conheço de lado nenhum, não me rebaixo a
tratá-lo por amigo. Nunca me sentei consigo à mesa do café, ou das febras de
porco em período eleitoral, não lhe permito essa liberdade. Fico-me pelos sem
abrigo, são outra gente. Partilham a sopa, o pão duro, o vinho, o charro e a
noite. São solidários, riem-se com a desgraça, pegam a miséria pelos cornos,
rabejam a puta da vida.
O
resto não é texto que se leia, vemos a saudação de “amigos” e ficamo-nos por
Peniche onde, hoje, nem há condições de alojamento para tanta gente que tem
povoado as quadrilhas a que o professor Marcelo vai chamando governos. Informar
os portugueses? Quais portugueses? Os que deixaram de fazer parte dos vivos e
dos quais não resta mais do que a memória, quase sempre curta? Com uma equipa
de assessores bem pagos, com direito a subsídios de férias e de Natal,
automóvel de gama alta, motorista fardado, ajudas de custo e futura reciclagem
num cargo bem remunerado de um grupo económico, não havia um, ao menos um, que
fosse capaz de escrever português sem subterfúgios, sem esquivas, sem
metafísica de baixo nível? A falta que por aí faz o Fernando António Nogueira
Pessoa e a sua linguagem básica da correspondência comercial, mesmo avinhada
nas tabernas do José Maria da Fonseca. Mesmo em flagrante de litro.
Mas
há sempre alternativas para isso, excluindo as medidas esclavagistas a que os
ignorantes assessores chamam “pedidos” e “sacrifícios”. Por isso mesmo fica V.
Exa. convidado, conjuntamente com todo o gabinete, a descer da Penaventosa à
Ribeira, a contar os degraus das escadas dos Guindais, do Codeçal ou das Virtudes.
Sem a proteção de gorilas ou da polícia de choque. Para ouvir e aprender o
português objetivo, autêntico e ancestral Enquanto isso posso garantir-lhe que
lhe vou encomendar o canastro à igreja dos Grilos, antes de descer em ombros a
Rua Escura. E vou de terço na mão, mesmo não sendo devoto. Nem de grilos nem de
cigarras!
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