Unanimidade
Não
se pode dizer que o governo tenha perdido o decoro e a vergonha. De facto nunca
se perde aquilo que se não tem. Por um dia destes uma imagem, algures na rede,
chamou-me a atenção pela piada e pelo tiro certeiro. Num hipotético desfile de
prostitutas, uma delas empunhava um cartaz dizendo mais ou menos: “indiquem-me
um político honesto e eu indico-vos uma puta virgem”. Tão difícil como
encontrar uma agulha num palheiro, nos dias longínquos em que se usavam agulhas
e se utilizavam palheiros.
Mas,
que eu me recorde, nunca nenhum governo foi tão unanimemente acarinhado pelos
portugueses como este. Nem mesmo o do tenebroso Dr. Salazar, que nomeava
ministros utilizando um bilhete e os demitia por uma notícia de jornal. O Dr.
Salazar ficou conhecido por diversos epítetos, alguns dos quais uma antiquada
educação me impede de reproduzir. Mas um deles, inofensivo e decente, era o
“esteves”. Por uma razão simples, ele nunca estava, já tinha sempre estado. Os
noticiários da noite proclamavam: sua excelência o senhor presidente do
conselho, professor Oliveira Salazar, esteve esta manhã no Porto, tendo
admirado a imponência do edifício do mercado do Bolhão de dentro da viatura que
o transportava, enquanto esta descia a Rua de Sá da Bandeira, a alta velocidade,
para não prejudicar o fluxo de trânsito.
Ao
Dr. Passos, tardiamente licenciado e sem estágio feito, afilhado e empregado de
um ex-ministro que viu as portas sabotadas com palitos de tirar os restos de
bacalhau dos dentes, não se pode exigir nenhuma qualidade parecida com as do
Dr. Salazar, excetuando talvez a vocação autoritária, para continuar com a
linguagem moderada. E nenhum dos seus
ministros, tenha a graça que tiver, de Álvaro a Paulo, de Gaspar a Macedo, pode
ser comparado a um Rapazote, a um Varela, a um Santos Costa ou a um Nogueira.
Salazar podia ser um ditador – condição que quase ninguém contesta, nem o Dr.
Paulo Portas – mas era um homem inteligente e culto. Mais do que o Dr. Passos e
até mesmo que o Dr. Borges exceto, quanto a este, nas suas próprias palavras.
De
forma que o Dr. Passos e os seus ministros nem estão, nem estiveram.
Incondicionais defensores do povo, do seu bem estar a da melhoria das suas
condições de vida, evitam as manifestações de apoio e de regozijo por, ao menos
no desemprego, seguirmos no pelotão da frente desta manta de retalhos que é a
tal União Europeia. E, no caso do que ainda resta das ruínas do mercado do
Bolhão, anunciam a visita e a entrada pela porta principal, na Rua da Sá da
Bandeira, para depois entrarem a correr pela porta das traseiras, disfarçados
no meio de alguns comerciantes de legumes, e se escapulirem pela primeira
escapatória onde o automóvel os espera, de motor a trabalhar e motorista a
postos para arrancar, uma hora antes. A alta velocidade, com os batedores à
frente, a abrir caminho, até à autoestrada para Lisboa que é, como se sabe,
aquilo que o Terreiro do Paço mais admira na invicta.
E
que à entrada nenhum dos vendedores utilize o vocabulário a que está habituado.
Se o fizer, mesmo por descuido, será forçado a abandonar o portal onde se acolhe
por um diligente segurança que impedirá todas as câmeras de registar imagens e
será voluntáriamente convidado a identificar-se com alguns certeiros golpes de
kungfu. Para no dia seguinte a direção do mercado levantar o correspondente
processo disciplinar e aplicar a inevitável coima. Se não houver lugar a
despedimento. Enquanto os serviços de segurança proibirão o Dr. Passos de
visitar a Ribeira e assistir ao futebol no estádio do Dragão!
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial