Café Onital: Tarde de música e poesia
Ali,
à esquina onde a Rua de Latino Coelho, num declive suave, desagua
tranquilamente na Rua de Santos Pousada, há um café de que me lembro desde que
os meus passos cruzam as proximidades. Ostenta um nome meio atípico e é local
que pouco frequento, porque vai no sentido contrário aos dos destinos que habitualmente
persigo. E ainda porque, sinceramente, não sou gente de café, nem de jardim,
nem de estar quieto enquanto os minutos se escapam do relógio. Entro, compro um
gelado, enventualmente sento-me, tomo um café de um trago, já as pernas se me
entorpecem, dou por mim a esticá-las de novo no espaço dos quarteirões
próximos.
Uma
vez por outra o café afixa um pequeno cartaz num dos vidros que o rodeiam e
anuncia um qualquer evento por cuja natureza nunca me interessei e cujo
conteúdo nunca me levou lá. Para hoje, às 16 horas, anunciava uma tarde de
música e de poesia. A curiosidade levou-me a ir espreitar, entrar, encontrar a
sala cheia, encostar-me ao balcão e a pedir um descafeinado. E a ir
acompanhando os dois poemas que cada pessoa dizia, chamada por um apresentador
que, tanto quanto vi, não usava guião e conhecia toda a gente pelo nome e pelos
hábitos.
O
acontecimento surpreendeu-me. Primeiro porque é promovido por um café, que
encerra ao domingo, sem subsídios do Dr. Rio ou da Secretaria de Estado da
Cultura. E que conta apenas com o contributo ignorante do fantasma Gaspar que,
como a todos aos do sector da restauração e a mando da Sra. Merkel, estabeleceu
o Iva na sensata taxa de 23 por cento que o zé povinho paga, bufando ou não.
Depois
pela ingenuidade das coisas simples mas sinceras, como as palavras que se
espalham pela sala, saídas diretamente do coração, sem hesitações ou paragens
intermédias. E no meio das quais há alusões a Manuel António Pina, que esta
manhã de domingo levou a cremar no cemitério do Prado do Repouso. Há poemas de
Torga, de Ary dos Santos, de Florbela Espanca, de Camões. Até do angolano
Viriato da Cruz, se calhar sem que a maioria dos presentes saiba onde é o Loge
ou o que é um maboque. E, intercaladas com os poemas ditos, há baladas cantadas
por quem também verseja, que se acompanha à viola, e que deixam no ar o aroma
da memória sempre fresca de Zeca Afonso.
E
o evento, pelos vistos, tem periodicidade mensal. Assinalo o facto e louvo a
tarde, o café e as pessoas que ali se reunem e partilham entre si aquilo de que
gostam: a música e a poesia.
1 Comentários:
Muito grato ficamos pelo seu comentário e convidamos a vir assistir as nossas tardes de poesia que acontecem sempre no ultimo domingo de cada mês as 16:00 horas
É bom sentirmos que haja clientes com uma certa cultura literária o que faz com que a poesia cresça cada vês mais.
Os nossos agradecimentos
Daniel Correia e Jorge Vieira
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial