Quem tem cu tem medo
Já
não me recordava da data e foi o jornal Público a recordar-ma. Mas memorizei
subconscientemente as imagens que os noticiários televisivos me ofereceram no
passado dia 14, com equipas de reportagem a acompanhar o acontecimento em direto.
A princípio, de um lado, um conjunto de manifestantes, aparentemente rotos, maltrapilhos
e inofensivos, mas valentes, desalinhados, desarmados, descontentes,
desconfiados, desempregados e desprotegidos da vida e do estado social.
Berrando impropérios, cuspindo para o chão, fumando tabaco barato e olhando em
frente, como um grupo de amigos de uma tertúlia, aguardando a largada de touros
nas ruas de Vila Franca de Xira durante as festas do Colete Encarnado, preparando-se
para as pegas, as correrias, as poses para a assistência e as fugas
descontroladas à procura da proteção providencial das tranqueiras.
Do
outro lado as bestas, de olhar metálico e feroz, nervosas, os cascos ressoando
na pedra do terreno que ocupam, mortas por ação e sangue. Sem o enquadramento
de campinos garbosos, montando cavalos enfeitados para a festa, nem chocas de
cornos longos e retorcidos, mas com cães ao lado, latindo, aos pulos,
impacientes no treino recebido e no desejo de agarrar a vítima pelos fundilhos
e ferrar-lhe os caninos nas nádegas indefesas e carnudas. Espumam, ameaçam
arrancar, desistem, olham em volta como se tudo fosse lezíria, atemorizam, dão
uma passada atrás.
No
hemiciclo, para lá da proteção confortável das tranqueiras, está toda a pouca
gente importante que comanda a festa e o país. Foram vendidos à populaça que se
empoleira nas escadas e se debruça das varandas com a mesma técnica de embuste
com que se vendem os detergentes para a roupa. Todos tiram as nódoas mais
difíceis, lavam mais branco e cheiram intensamente a lixívia. E acotovelam-se
transidos de medo, tremendo de cagaço, receando que a maralha descontrolada
possa transpor as proteções, enxuvalhar fatos e provocar hematomas.
Quem
tem cu tem medo e o medo não é grande conselheiro. E pode prejudicar a determinação
patriótica com que a pouca gente importante se entrega ao saque, ao estado
social, ao querido leader e nos hipoteca à troika.. De forma que as medidas
preventivas não se fizeram esperar e no dia imediato estavam a ser instaladas
câmaras de filmar por cima de cada acesso aos paineis de proteção. Para
identificar a maralha? Não! Apenas para a contar “em caso de catástrofe ou
outra necessidade urgente”. Porque a pouca gente importante, vendida como
detergente, não sabe que o sonho comanda a vida. Como não sabe que para contar
manifestantes basta contar-lhes as pernas e dividir por dois. A menos que haja
quadrúpedes infiltrados, o que complica o sonho e dificulta os cálculos!
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