Domingo vazio
Pouco
os ponteiros do relógio passaram além das 18 horas e as ruas da cidade
emudeceram à luz mortiça da iluminação pública. O dia sucumbira pela madrugada,
a um frio glaciar que desde sempre me entorpece os gestos e a memória e me
enregela as mãos e os pensamentos. Ninguém, como eu, terá percorrido todos os
mútiplos caminhos do infortúnio, sentido todas as cores cinzentas da
infelicidade e da solidão.
Os
meus dias deixaram de ter encruzilhadas, não há mais que decidir a direção ou o
sentido da marcha. Nenhuma rota vai dar a nenhum destino, só há deserto em
volta. Não cheguei a lado nenhum e toda a gente se aproveitou disso e alguma
ainda se alimenta à custa dos destroços. O frio da madrugada fez-te amanhecer
vestida de organdi azul, rasgado pelo ímpeto do vento que não houve, e já não
tive olhos para reparar nisso. Nem sequer vontade que te ajudasse a passajar o
corpo maduro de outonos.
Toda
a gente com que me cruzo e que não conheço, porque eu não conheço ninguém, tem
um conhecido, um amigo, um familiar que lhe fale do sistema solar e das fases
da lua. Eu, se quiser saber a hora das marés, tenho que me sentar na areia da
praia e esperar que a espuma das ondas me cubra os pés e me anuncie a hora da
praia-mar. O frio que me enregela os pés no inverno não é diferente do que me
tolhe a coluna no estio.
Lágrimas
sentidas escorrem-me pelas faces, são rios sem oceanos que as acolham. Nunca
vai sobrar uma pequena enseada calma e tranquila que as abrigue. Nunca vai
sobrar uma luz frouxa que me ilumine nem um calor morno que me afague. Para mim
só sobra o que sempre tem sobrado: a desesperança e o vazio em volta.
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