Re-toma
Retoma
é um termo científico só utilizado com propriedade pelos economistas e pelo
senhor silva. Para o compreender não basta saber-se ler, ter frequentado um
curso de cristandade ou ter assistido a um jogo do Benfica no terceiro anel do
defunto estádio da luz, mesmo que o resultado tenha sido favorável à equipa
visitante. É preciso, no mínimo, ser-se politólogo (que eu confesso não saber o
que é), cientista político (que eu volto a confessar também não saber o que é),
analista político, comentador económico, Camilo Lourenço ou professor Marcelo.
A
ortografia, utilizando o tracinho (porque traço era a Marlyn Monroe e essa já
partiu há cinquenta anos), creio que decorre do propalado acordo ortográfico
que o poeta que dirige o centro comercial de belém tem permanentemente na
mesinha de cabeceira, ao lado do velho testamento e da imagem da irmã Lúcia.
Antigamente um conhecido linguista da época, que modulava bonecos em barro nas
Caldas da Rainha (não são esses em que estão a pensar, mentes perturbadas e
perversas), chamado Bordallo Pinheiro, escrevia-o sempre sem tracinho e sem o
prefixo (que toda a gente sabe o que é desde que aufira cem euros do rendimento
social de inserção; tão bonito nome para tão curto dinheiro).
Mas
a re-toma explodiu ontem, segunda feira, nos noticiários de tudo aquilo a que
chamam orgão de comunicação social, incluindo o Borda d´’agua e o Seringador,
que também trazem as fases da lua e os horários das marés na praia de
Carcavelos. E o ministro Álvaro não deve tardar a aparecer perante as câmaras,
com o entusiasmo histérico do fantasminha das finanças, apregoando a salvação
do país, a beatificação do condestável e o investimento estrangeiro em mais
duas lojas de chineses no Martim Moniz.
O
país estar salvo significa que a magra pensão do senhor silva não será
reduzida, nem tão pouco congelada, e há de dar para pagar as despesas
domésticas, a mulher a dias e as portagens até ao casebre da aldeia da Coelha,
para ir passar um fim de semana ou outro. E que os senhores Américo Amorim,
Soares dos Santos e Belmiro de Azevedo não correm o risco de cair na pobreza,
como sensata e justificadamente temiam. Pelo contrário, os seus nomes hão de
subir na relação dos mais ricos do mundo (empreendedores é hoje mais sonante e
mais politicamente correto), periodicamente publicada pela revista americana
Forbes cujo diretor pensa, depois de consultados atlas atualizados, que
Trás-os-Montes fica algures na península itálica.
E
tanto assim é que nunca é demais repetir a importante notícia que ontem encheu
os noticiários durante todo o dia, relegando a bancarrota para a Grécia e a
prisão domiciliária para o Dr. Duarte Lima. Os combustíveis, cujo preço hoje
varia em função das cotações da cortiça e das plantações de chaparros no
Alentejo, registaram a maior descida do ano, e já vamos em dezembro. O quê,
desceram oitenta, cinquenta, vinte ou mesmo dez cêntimos por litro? Não, nada
disso. Desceram 2 (digo bem e por extenso: dois) cêntimos no preço a que se vão
vendendo, à volta do euro e meio!
O
país re-toma o ânimo e a alegria. Para o reveillon! E o senhor Manuel
Sebastião, da entidade reguladora independente (tão independente que foi o
governo a nomeá-lo), tem novo mandato assegurado. Pela certa!
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