Estado So-SS-ial
Liliana
Melo, uma mãe a quem o sapiente e justo tribunal de Sintra decidiu retirar sete
dos seus filhos, tem diversos factores contra si. Dos quais, desde logo, três
são particularmente relevantes: Liliana é preta, é pobre e é fértil. Primeiro é
negra e ser negro, mais do que ser de uma raça diferente é uma fatalidade e um estigma.
O negro é assim como o amor na ponta da esferográfica de Miguel Esteves
Cardoso: é fodido! Se em pleno Rossio, ao fim de um estafante dia de trabalho,
houver um homicídio, é claro que foi um preto. Se a meio da noite qualquer
desgraçado é descoberto esfaqueado numa valeta, seguramente foi um preto. Se
qualquer loja, resistindo à crise e ao ministro das finanças, se mantiver ainda
a funcionar e tiver sido assaltada, é mais do que certo que foi um preto. E se
alguém tiver retirado das prateleiras do Pingo Doce uma lata de atum e um
chocolate barato é mais do que provável que tenha sido um preto. Ou, muito
remotamente, um romeno!
Depois
Liliana é pobre ou, de forma hipocritamente correta, menos favorecida.
Seguramente a caminho de ser ainda mais pobre ou, persistindo na hipocrisia, a
caminho de ser ainda menos favorecida. O que
regra geral quer dizer que não possui nenhum mestrado ou doutoramento,
não utiliza nenhum BMW topo de série, não tem idade para ser reformada e menos
ainda direito a uma pensão idêntica à do presidente da coisa que, por favor,
vive à borla em Belém e abre os jardins às criancinhas – menos favorecidas! –
no dez de junho. Muito provavelmente está desempregada e não tem marido ou o
tem desempregado e alcoólico, sem direito a subsídio ou a rendimento social não
sei de quê. Se calhar também não é nenhuma beleza como as candidatas a misses
que se sujeitam a plásticas frequentes, conforme as exigências da moda,
aumentando as mamas hoje e reduzindo o cu amanhã.
Como
se isso não bastasse a mulher, por heresia, ainda é fértil. E sendo o acto
sexual uma coisa para fazer filhos, como dizia aquele antigo deputado do CDS -
que tinha só um, coitado! – ela tem uma uma catrefa deles e aquilo parece ser
cada tiro, cada melro. Circunstância que, certamente, o Dr. Júlio Machado Vaz
estará na disposição de explicar numa base científica e o professor Marcelo
disposto a comentar na TVI um domingo destes, desde que lhe paguem. Só por isso
a Liliana deveria viver a expensas do estado e este ficar-lhe eternamente grato
pelo seu contributo para o aumento da natalidade, para o aumento do número de
eleitores - se ainda sobrar país quando
chegar a altura – e para o aumento da subvenção que os partidos políticos vão
discretamente arrecadando à nossa custa para pagar o custo das eleições e
depois suportar-lhes os resultados.
Mas
o estado hoje nem se sabe o que é, até nem se sabe bem o estado a que isto chegou. No meio de tudo o
estado ajuda a mãe e os filhos, contribuiu para a sua alimentação, para a sua
educação, para o seu futuro? Por intermédio daquele ministro que chegou a
Belém, para tomar posse, de motorizada e de esferográfica Bic e saiu de BMW,
devidamente recostado no banco de trás, precedido por um batalhão de batedores?
Nada disso! O meritíssimo tribunal de Sintra determina que Liliana laqueie as
trompas, o que ela recusa porque até nem sabe o que é isso. E se calhar a
maioria dos juízes também não. Atribui-lhe um subsídio, custeia o estudo –
gratuito, lembram-se? – dos filhos, garante-lhes alimentação digna,
fornece-lhes livros para que se preparem para o futuro? NÃO!
Doutamente
decide que os filhos sejam retirados à mãe e dados para adoção. Literalmente,
roubam-lhos!
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