O ministro Gaspar foi ao mercado
O
ministro Gaspar levantou-se ontem muito cedo, era ainda noite. Tomou banho,
perfumou-se com lavanda da empresa Ach. Brito – para proteger a indústria
nacional e equilibrar a balança comercial -, mudou de cuecas e envergou o seu
fatinho domingueiro. Ao pescoço pôs uma gravata de seda pura, em segunda mão,
cortesia de um pobre franciscano que tem uma pensão miserável de alguns 150.000
euros – será que dão para as despesas dele senhor Silva? – e que, sendo
engenheiro por uma universidade séria, se viu na necessidade de ser banqueiro
para não emigrar. Mesmo que o pudesse fazer a bordo do avião que mantem às suas
ordens, com algum conforto e algum recato que lhe acautelasse a reputação e o
regabofe a que se habituou.
Já
com a alvorada a querer despontar a oriente e as luzes das ruas ainda acesas,
Gaspar foi à missa, com meia dúzia de batedores a abrir-lhe caminho por entre a
chuva persistente que caía e duas dúzias de seguranças a vigiarem os perigosos
e ameaçadores notívagos caídos no espaço vazio dos portais, entre a falta de
abrigo, a necessidade de uma refeição quente e as calorias de um pacote de
litro de uma zurrapa qualquer, comprado nas lojas do Minipreço, para
desequilíbrio da balança comercial e agravamento do défice.
Assistiu
à missa, usou o terço que a madrinha lhe levou de Fátima, rezou a salvé rainha,
bateu repetidamente com a mão no peito, ajoelhou-se – sim, ajoelhou-se! – e
comungou como se fizesse a primeira comunhão. Ajoelhou-se, ele que só se
ajoelha perante a poderosa Sra Merkel, omnipresente e omnisciente, e perante
Deus nosso senhor que lá tenha em descanso o governo anterior e o persistente defunto
de Santa Comba.
Já
à luz do dia, encolheu-se no banco de trás do BMW para não o verem e julgarem
que afinal também ele contribuía para o desequilíbrio da balança comercial e
não se fazia deslocar numa qualquer motorizada fabricada algures na zona de
Águeda, embora evitando o percurso que passasse em frente da casa de família do
Sr Manuel Alegre, por acaso ausente para a conspiração e para a caça aos
gambuzinos.
E
foi ao mercado, coisa de que gostou muito, ele e a patroa! Onde todas as coisas
estavam, por acaso, pela hora da morte. Ainda por cima com as batatas vindas da
Galiza, as cebolas das Astúrias e os tomates das quintas do Astérix. E ele,
ministro e devoto da Sra Merkel, a pregar os benefícios de consumir o que é
nacional – como Santo António a pregar aos peixinhos – e a salientar a
qualidade das cenouras de Riomaior e da louça das Caldas.
Teve
de contentar-se a comprar pouca coisa, como qualquer sensata dona de casa, com
o marido empregado a título precário – o privilegiado! – e a ganhar acima das
possibilidades do país e do Dr Ricardo Salgado a fortuna de 485 euros mensais
estabelecida por decreto a que, patrioticamente, descontam a contribuição para
a segurança social e o custo da austeridade de que, por limite de idade, o Sr
Américo Amorim esta isento.
Mesmo
assim teve sorte o ministro Gaspar porque no fim o Sr Camilo Lourenço lhe levou
as compras a casa. A troco de uma moeda de um euro e de uma gravata já
enxovalhada com nódoas de sopa da pedra e de molho bechamel. Num intervalo das
suas telenovelas televisivas!
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