África
África
podia ser um bairro e não é. Podia ser um sítio, um lugar, uma aldeia, uma
vila, uma cidade. Podia ser um país, um continente, um satélite, um mundo.
Podia ser um sistema planetário, um universo, um faz de conta. E não é, porque
África não cabe em nada disso. África é um primeiro nome, e um segundo, e uma
sequência interminável deles, num alinhavo provisório que se não sabe onde
começa ou quando acaba.
África
é um nome de lugar, um vikanjo escondido para lá do carreiro, correndo a custo
por sob as frondosas copas das árvores tropicais. É uma chuva de meia hora, que
cai com a intensidade de uma paixão adolescente que se sonha. Um extenso
capinzal que nos encobre e que acolhe na sua solidária dimensão répteis e
insetos, com pequenos pássaros balouçando lhe nas pontas, ao ritmo de um
vagaroso vento quente que chega do deserto.
África
é nome de rio que corre para oriente ou para ocidente, com o sol sempre a
nascer por detrás da mesma mulemba, é nome de todas as Kalandulas em que se
precipita ao longo do percurso, nome de todas as curvas e contracurvas em que
se espreguiça antes de morrer num estuário a saber a sal e a peixe prata, desde
as alturas de todos os Kilimanjaros. África é nome de peixe, doce como todas as
lagoas do Panguila, bom como kakussos de todos os rios.
África
é mukua, nome de fruta, nome de pássaro, katuiti, nome de bicho. Nome de
pessoa, nome de terra, Xamissassa, nome de pedra grande onde se pisa o milho,
arrastando as pancadas ao som interminável da lenga-lenga, enquanto a farinha
alva se fabrica para a comida de logo à noite. A panela no chão, todos sentados
em volta, dois dedos da mão respeitando as hierarquias e apontando àquele
canto, a outra mão tentando segurar o escaldão e o peixe retirado de cima das
brasas.
África
é humanismo de Senghor nas matas do Senegal, dividido com Cesaire, partilhado
com o mundo, sem direitos de autor e sem propósito de lucro. África é Cabinda,
haja ou não Simulambuco, é Kwanza, N’dalatando, Kaxito, Kibala, Bailundo, Benguela, Huambo, Bié, Menongue, Ondgiva, Kunene. África é a extensa liberdade com que se
escreve cada nome, sem regras e sem acordo ortográfico, cada um deles um
frenético passado de dança, uma eminência de bassula. África é mais do que tudo
isso, África é mãe. Mãe África!
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