12 de fevereiro de 2013

Amanhecer


É cedo. Sopra este vento frio da alvorada em que se te perdem todos os gestos e todas as palavras. Não digas nada do que pensas até que amanheça e o brilho do sol se erga no horizonte. E substitua a luz mortiça dos candeeiros que fizeram da noite um sítio de quarto minguante. Depois de amanhã será lua nova, podemos imaginá-la para lá de todas as nuvens que nos encharcam o chão onde espraiamos os passos curtos. Só não quero que assim, de repente, seja lua cheia e as ondas da praia-mar saltem por cima do molhe e arrastem barcos e detritos para além da linha das marés.


Deixa-te ficar nesta penumbra líquida que cheira a rosas e espalha pelo chão pétalas cansadas de camélias. Descontrai-te, relaxa-te, espreguiça-te, deixa que a madrugada seja já ontem e o teu corpo reste inteiro, macio e morno, perfumado e fresco. Já não promessa, ainda não certeza, jamais passado. Deixa que o dia entre sem pressa pelas frinchas da janela, te pouse na fronte, te ilumine o sorriso seguro e certo, te enrole os braços esguios à volta do meu pescoço numa carícia que me escorra pelo corpo ao ritmo sonolento da manhã.

Eu sei! Para além do nosso desejo, mais dia menos dia, há de ser lua cheia, com o mesmo rigor que vem nos almanaques que sabem tudo, das sementeiras às horas a que o sol está por trás de nós e não o vemos. E será lua sem nuvens, rainha num céu de estrelas, redonda e macia como veludo, espelho convexo de todas as imagens surreais que se lhe passeiam à superfície, sem dimensão e sem destino.  Afaga-a com o olhar meigo e longo como a distância a que estamos dela e vê como o mar da tranquilidade se abre para nos dar passagem, livre de peixes e de conchas, só pérolas em vez de areia, lodo e ansiedades. Aconchega-te à berma do meu caminho, posso ouvir-te a respiração como um sussurro vindo do outro lado do mundo, tão aqui, distante e próximo. Sentir como o calor do corpo se te espalha pelo amanhecer e como um perfume delicado e sereno, me invade as narinas e me inunda o pensamento. Como flor de tília em tardes de verão. Afinal nunca é cedo demais!

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