25 de abril – 39 anos
Passados
39 anos sobre uma revolução que o não foi, a democracia está hoje como os
jardins dos palácios de Belém e de São Bento: fechada a visitantes, a pretexto
da continuidade das obras de manutenção. No caso dos jardins, é fácil e linear
a explicação: ambos os inquilinos se limitam a evitar as inumeráveis hordas de
visitantes que encheriam os espaços, num indescritível regozijo, e os
aplaudiriam até criarem calos nas palmas das mãos, de tanto e tão fortemente os
aplaudirem. Pela sua ligação à revolução, à democracia, ao povo humilde e
sensato e à melhoria das suas condições de vida. A começar pelo aumento do
salário mínimo, a manutenção da pensão medíocre do rural de Boliqueime, e a
eliminação da pobreza utilizando um metro linear, dois decretos, quatro
portarias e alguns sermões do senhor cardeal patriarca.
Mas
à democracia, passado todo este tempo, resta-lhe o nome deturpado. De há muito
parece saída de um piso de operações e se mantém na sala de recobro, sem
assistência ou monitorização, sem esperanças de que recupere, convalesça,
readquira forças e se revitalize. Mais do que exausta ou exangue, a democracia
está moribunda. Não fosse a ditadura de uma Europa ajoelhada aos pés de uma
Alemanha saída dos destroços de uma guerra, que só admite no seu regaço os
estados onde vigore um regime que ela considera democrático, e tudo já teria
certamente mudado. Eu, a quem este país roubou mais de quarenta meses de vida,
no cumprimento de um serviço militar obrigatório, e que tive a felicidade de
nunca sequer ter apontado uma arma a ninguém. Eu, que no cumprimento do mesmo
serviço, vi o quarto onde vivia vasculhado pelos esbirros da Pide – e que só me
levaram apreendido o Mar Morto, de Jorge Amado, porque todo o resto já estava a
recato! - e onde fui obrigado a
apresentar-me com guia de marcha. Eu, que passei horas a dactilografar Luandino
Vieira e José Craveirinha, para distribuir pelos amigos, venho aqui hoje
solenemente afirmar que estou pronto para tudo.
Estou
pronto para ajudar a restaurar o sonho que sonhei e que me roubaram, para
garantir que os meus filhos possam ter uma vida melhor do que tem sido a minha,
com emprego, trabalho, solidariedade, filhos e futuro. E que os filhos deles,
se as condições permitirem que eles os tenham, os possam alimentar, prepará-los
para a vida e legar-lhes outras perspectivas que não dívidas, juros, ganância,
miséria e escravatura. Porque a democracia não é uma coisa estática e amorfa,
saída da revolução francesa, para regredir até à quase absoluta intolerância da
idade média. Deve ser uma coisa dinâmica, que se baseia nas pessoas, que as as
respeita, que as chama a participar cada vez mais da vida pública, que evolui –
e evoluir é melhorar! – e que, com isso, deverá fazer melhores os dias de hoje
do que os de ontem.
Sem
ditaduras dos mercados e da alta finança, sem mandaretes políticos juntos em
maiorias de grupos e conveniências. Para vender ao desbarato o que ninguém
produziu e que é de todos, arrecadar os dividendos, enriquecer impunemente e
por qualquer meio e a qualquer preço. A democracia está moribunda, já não se salva com revoluções
de cravos vermelhos espetados nos canos das espingardas. Nem com sessões
solenes e hipócritas no anfiteatro de São Bento!
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