A caminho de Pasárgada
Quando
o inverno que vem se aproximar do seu termo e as cerejeiras florirem,
assegura-te que o perfume virgem das flores de laranjeira te inunda as narinas
e te brilha no olhar que já adivinha a primavera. Colhe um ramo composto e fresco,
certo do verde da folhagem que se seguirá, como refúgio do chilreio dos
pássaros que se apressam para a construção dos ninhos e a manutenção das
espécies. Corre ao Terreiro do Paço, ao canto onde aportam os barcos que chegam
de Vila Viçosa, por caminhos de terra desenhados entre montados e sobreiros que
ninguém ousou despir da sua capa alentejana de cortiça e de promessas. Pergunta
por Manuel Bandeira, hás-de encontrar-lhe a memória e os poemas simples que
chegam ao coração sem paragens e sem apeadeiros no percurso.
Pergunta-lhe
qual o melhor caminho para Pasárgada, é por ele que vais ter que te evadir. Não
te incomode o burburinho e a balbúrdia que se adivinham nas arcadas. Alfredo
Costa e Manuel Buiça estão mortos, a guarda e o povaréu não precisam que os
ajudes na tarefa. Sem reverso, o rei e o príncipe também, o regicídio
consumado, o que é uma pena e uma perda, não se ganha nenhum novo sol a formar
novas quadrilhas e a empregar novos ladrões, mesmo que venham de latifúndios
ribatejanos onde o verde da lezíria se estende até à beira Tejo, sem chegar ao
Limoeiro.
Atira
à memória do rio que se alarga pelo Cais das Colunas, o ramo de flores de
cerejeira que trazes de braçado. Não te preocupes que não se afundará, irá
flutuar ao sabor manso da corrente e nem o perfume das flores de laranjeira
deixará pelo caminho, mesmo que possa encalhar em São Julião da Barra, onde
finalmente se perderá no abandono dos dias e na subida das marés. Segue para
Pasárgada por onde te indicam a memória de Bandeira e a métrica irregular dos
versos que não leste. É lá que mora o futuro e, como ele e toda a gente, serás
amigo do rei e sentirás o aroma do paraíso nos desejos que pensares.
À
tua espera tudo e mais setenta esbeltas virgens a que dá direito a
contabilidade celestial do Alcorão, os corpos apenas protegidos por finos e
vaporosos crepes. Requebrando-se nas mais sensuais danças do ventre, as
cinturas largas sob o peso excessivo dos explosivos que carregam. Prontas a
implodir mais uma torre do Bairro do Aleixo e, com a maior dignidade, o
plenário do conselho de ministros reunido em tarde de dia santo. Para que
também o esbulho seja santificado, como em Pasárgada!
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