O Olival
O
Olival era, em tempos passados, apenas um povoado muito antigo, escorrido no
fundo do vale, lado a lado com a ribeira que o acompanha, na base das
ribanceiras que o cercam e que múltiplos lugarejos persistem em escalar, à
procura de sol e de sustento, pinhais acima. Actualmente o Olival é antigo e
velho, promovido a vila, as ruas abandonadas ao sol inclemente do estio, os
campos desertos, nem vivalma, só as estradas estreitas que descem pelas
encostas, o tojo por todo o lado, o coro estridente das cigarras, e uma outra
que o atravessa e que leva à cidade próxima, uma só camioneta diária, a ida ao
princípio da manhã, o regresso ao fim da tarde, antigamente era só nos dias de
feira. Agora nem a feira vale a pena, mesmo duas vezes por semana, tudo visto e
caro, marcas contrafeitas expostas à apreensão e à fogueira.
A
aldeia é desordenada e dispersa, sem grandes sombras a que os velhos que restam
possam acolher-se, conversar desgraças e passados, entreter o tempo no jogo das
cartas e do chinquilho, esperar pelas
trindades e pelas migas que lhes confortem o estômago e tranquilizem a noite.
Recolhem-se ao silêncio das casas, onde até as moscas vão dormitando pousadas
nas paredes brancas de cal, resmungam monólogos que nem eles entendem, não
percebem como possa haver pão e vinho, com os terrenos de pousio e as vinhas
também velhas e pequenas, sem poda e sem sulfato, encavalitadas por aí acima,
par a par com algumas oliveiras que ninguém trata e cuja azeitona ninguém
apanha, nem os panos se estendem, nem as varas se usam.
Antigamente
o Olival era o mundo de toda aquela
gente que percorria a pé todos os caminhos esburacados, a poeira de verão,
feita nuvem por um vento desabrido, a lama de inverno, os carros de bois
atolados, a parelha sem força para vencer o lodaçal e a ladeira. Ali se nascia,
sabe Deus onde e como, se crescia, se ia à escola quando a necessidade não
reclamava desde logo os braços infantis para o trabalho no campo, se ia à
missa, à catequese, à comunhão. Muitas vezes se vivia e morria sem nunca ter ido a Lisboa e sem nunca ter
visto o mar. Eram coisas abstratas para que não havia descrição, uma terra sem
fronteiras nem limites, só gente e casas, água a perder de vista, atirando-se
às rochas da praia, só visto, não havia palavras para contar. Dizia quem tinha
visto.
Não
havia nem polícia nem guarda, a autoridade eram o senhor prior, tão infalível
como o papa, o senhor professor e o senhor chefe dos correios. A todos se
tirava o chapéu e se fazia a vénia, se pedia conselho e se contavam as dificuldades
da vida e a fome tísica dos filhos. Depois havia os senhores das quintas, os
proprietários, muitos alqueires de milho e de feijão, tantas arcas cheias, muitos
almudes de vinho, as adegas cheias de pipas, algum trabalho de sol a sol,
contratado no adro da igreja, ao domingo, depois da missa, onde também se ia
para receber a jorna da semana e espreitar uns momentos de descanso. Hoje a
escola e os correios fecharam, não sobraram nem o professor nem o chefe, a casa
do padre está ao abandono, as ervas a subir-lhe pelas escadas, há um que vem de
fora, para dar a missa de domingo e recolher o magro pecúlio das esmolas. Fora
isso só vem para um funeral ou outro, cada vez menos, já quase não há gente
para morrer!
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