10 de agosto de 2013

Representantes do povo a banhos

A democracia representativa é, já e só por si, uma romaria pegada entre representantes e representados. Solenemente os representantes ignoram e odeiam os representados e estes desprezam os representantes com a maior carga de bílis que a vesícula consiga segregar e a mais extensa ladainha de impropérios que o vocabulário lhes permita. Tirando isso, a confraternização entre ambos é diária e total: cruzam-se às esquinas, aguardam nas mesmas paragens de autocarro, descem as mesmas escadas rolantes, tomam a bica ou o cimbalino com o ventre, dilatado ou contraído, encostado aos mesmos balcões. Ao fim do dia sentam-se nas mesmas esplanadas, debicando caracóis e emborcando imperiais, enquanto o sol se esconde e a noite desce suavemente, como os cadáveres descem à cova. Com a alma encomendada ao diabo, à má sorte e à maioria parlamentar.


Os representantes nunca fazem nada para si e muito menos em seu proveito, salvaguardando o legítimo direito a um salário digno que eles próprios definem, o emprego de familiares e amigos porque é preciso sobreviver em tempos de crise e a proteção de correlegionários e simpatizantes, alistados na mesma quadrilha de assaltantes e malfeitores, com direito a sede com porta para a rua e subvenção estatal que, como representantes, eles têm a pesada responsabilidade de estabelecer. Trabalham arduamente durante todo o ano, viajam para todos os cantos do mundo, encontram-se com os representados nos recônditos mais improváveis, privam as mulheres da assistência necessária – e muitas, inteligentemente, mandam-nos pastar para outra pradaria – e os filhos da ajuda necessária nos trabalhos escolares e na aprendizagem das orações do catecismo.

Com tão atarefada e intensa atividade é natural que se esgotem, problema que a sua superior sapiência sabe não afetar os representados, que nem sabem o que é o “stress” e se dizem, quando muito e só por vezes, apenas cansados. E que, nessas circunstâncias, aproveitem agosto para a ida a banhos e para as sardinhadas com os representados, a cavaqueira – cuja base etimológica, refira-se, não vem de cavaco nenhum – e o bailarico com a concertina e o corridinho à cabeça. É bonita de ver esta osmose simples e profunda entre os habitantes precários da aldeia da Coelha ou da praia da Manta Rota e os desempregados da serra do Caldeirão, que não precisam de emprego, de reforma, de subsídios, que fazem filhos e que  são felizes sem saberem o que têm e, de forma ingrata, a quem tanto o devem.

Ainda ontem, a noite passada, na Coelha, o senhor Silva, em nome dos portugueses, teve um contingente policial ao seu serviço que alguns curiosos tiveram dificuldades em quantificar. Para o proteger? A ele e à Maria? Nada disso, nem pensar! Apenas para garantir que a rua se mantinha livre e os portões da sua casota abertos de par em par, para que todos os representados pudessem chegar até ele, trocar duas palavras de amigo, agarrar no pedaço de broa, por-lhe em cima a sardinha a pingar gordura e empinar o copo de tinto do vizinho Alentejo.

Quem foi que disse que nem se podia passar à porta? De certeza alguém que tinha pedido um Porto Ferreira!...


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