Pela insurreição geral
Até
24 de abril, e por inspiração divina, o país foi conduzido por um iluminado
ditador que o manteve na miséria, lhe negou instrução e recusou cuidados de
saúde e dignidade. Sempre de joelhos, terço na mão, sussurrando padres nossos e
avé marias, em coro com a igreja e mais meia dúzia de famílias que,
inclusivamente e como convinha, se degladiaram, se traíram e se roubaram entre
si. Houve medo! Medo de falar e ser ouvido, medo de pensar e sentir o
pensamento invadido e condicionado.
O
25 de abril foi uma esperança, um amor platónico, uma utopia, um relâmpago
breve. Chamaram-lhe revolução dos cravos e pensou-se ser suficiente para
alterar o estado de coisas e fazer do país um sítio mais justo, um sítio mais
para todos, com escolas, hospitais, medicamentos e a dignidade que se deve a
quem tem atitude vertical e porte ereto da cabeça. Durou pouco, não foi além da
tal abstrata esperança. Porque nunca, em nenhum lado, houve revoluções que se
fizessem com cravos. As revoluções custam sangue, suor e lágrimas!
O
26 de abril veio a seguir e começou por meter na gaveta a esperança nascida no
dia anterior. E pouco a pouco foi lá metendo muito mais do que lá cabia.
Cilindrou quem fez, com armas na mão, uma utópica revolução com flores
espetadas nos canos das espingardas. Restaurou o poderio das famílias de outros
tempos. Alinhou com a ditadura burocrática a que chamam europa para se apoderar
dos subsídios. Só viu vantagens – e teve-as! – na criação de uma denominada
moeda única que nunca existiu. Pagou para que os campos de cultivo fossem
deixados ao abandono, criando terra queimada e desemprego. Teve mais olhos que
barriga, estimulou o gasto do que se não ganhava e o estado, voluntarioso e
ladrão, deu o exemplo. O regabofe não teve nem dia, nem horário. Um qualquer
rural do interior algarvio leva por diante projetos megalómanos, gasta mais
sozinho do que a casa real dos vizinhos do lado e julga-se o iluminado dos
tempos que correm. Em proveito próprio, da família, dos amigos e de alguns que
lhe vão afagando as cervicais curvadas.
Até
se chegar onde se chegou, sob a direção de ignorantes e analfabetos que nunca
trabalharam para pagarem a sopa que comem, nem sequer estudaram para escrever
duas linhas sem erros, ostentem os títulos que ostentarem. E, obviamente, não
passarem de feirantes que trocam por patacos o muito pouco que resta e se
alcandoram ao estatuto de governantes que não inspiram nenhum respeito mas que
apenas instigam o medo. Quando roubam indiscriminadamente novos e velhos, sem
vergonha, sem escrúpulos e sem o mínimo de honestidade. E se sente que o novo
medo é um medo muito mais objetivo do que o nascido em Santa Comba.
É
preciso suster o terramoto, é preciso acautelar o futuro, é preciso recorrer à
insurreição geral!
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