São Leonardo de Galafura
Bem
no alto, no cimo de tudo, a ermida simples emerge do meio do penhasco de
granito, imaculadamente caiada de branco, as costas viradas para o rio. De
resto, em volta, só montes. Montes e silêncio. Os montes debruados por socalcos
com um rendilhado de vinhedo explodindo na paisagem, precipitando-se para o rio
que lhes foge, vê-se aqui, deixa de se ver logo adiante, em mais uma curva. O
silêncio absoluto, de ruído e de movimento. Projetando-se no céu limpo, muito
azul claro, nem pássaros nem nuvens. O tojo que nasce a custo, encolhendo os
espinhos entre calhaus, quase temendo expor o amarelo da flor à harmonia inóspita de tudo em volta.
Expontânea,
a torga cresce por aqui e por aqui Torga se afirmou também, arremessando
palavras enormes contra a paisagem agreste. Sem o rigor do bisturi e a precisão
exigida à sua profissão de médico, desenhando mais detalhados diagnósticos. Não
se consegue imaginá-lo a percorrer a calçada calcárea da rua da Sofia, pensando
poemas de granito, a voz insubmissa, o sentido ultrapassando os limites de
todos os montes de que é parte. Ainda por aqui se sente o silêncio bravio dos
seus passos, se lhe adivinham as pegadas de que não ficaram marcas, nos
sobrevem a emoção solene de saber que contemplou os mesmos horizontes e
partilhou sonhos para além deles.
Não
se imagina que tenha pronunciado uma palavra que fosse, perturbando o silêncio
em que o rio, lá no fundo, mergulhou tudo em volta. Há palavras suas que ali,
no cimo, podem ser lidas sem sequer mexer os lábios, Mas que devem ser apenas contempladas,
com devoção. Não se adivinha como ali terão aparecido os azulejos que as
suportam, todo o resto está à volta, sem outras palavras e sem mais nada. E
aquelas, se ali não tivessem sido postas, não seriam necessárias, bastariam a
quietude e o silêncio.
Trás
contigo o olhar sereno com que me dás a mão suave por que espero. E, de mãos
dadas, subamos o resto da ladeira, até os olhos se nos encherem de horizonte.
Não digas nada, basta que nos extasiemos com o que nos passa na retina.
Deixa-me sentir o calor silencioso com que o teu coração bate, é ele que dá
vida à paisagem que desce pelas encostas!
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