Cais deserto
Numa
estação de caminhos de ferro há um cais deserto que se prolonga muito para lá
de onde o olhar alcança. Um cais deserto é sempre a ansiedade de quem espera, as
lágrimas de quem fica, a solidão da distância a que mora a ausência de quem parte.
Geometricamente as linhas a perderem-se para além da curva do horizonte,
marcando encontro com o infinito, para além do sonho e da esperança., onde fica
o paraíso e onde todos os encontros, finalmente, são para tudo e para sempre.
Um
cais destes, deserto de pessoas e de comboios, sem o ruído metálico das rodas
travando nos carris, e sem os passageiros apressando-se com as bagagens, é um
fascínio doloroso que não cabe em nenhuma fotografia, por mais extenso que
possa ser o papel e abrangente a objetiva. Os dias soalheiros, mesmo de
inverno, ainda que seja noite, podem trazer a esperança à ansiedade de quem
está e de quem espera pelo comboio que chega e pela pessoa que desembarca com o
passo seguro de quem trás destino certo e o olhar sereno, cheio de promessas e
do verde permanente das colinas.
Quem
se apeia pode trazer no sorriso o brilho luminoso dos dias claros, a primavera
florescendo nos cabelos com uma manhã de sol, os dedos das mãos prontos para a
ternura, o passo firme e curto ajustado aos grandes percursos que, sem pressa,
se fazem pela vida fora. A sua presença, de repente, enche a solidão do cais de
lés a lés, de azáfama e movimento, vida, embarques e desembarques, uma só
pessoa a submergir o silêncio, a empurrar a desesperança para além de onde os
comboios nos fogem do horizonte.
Para
lá da porta da estação fica um outro mundo onde, a dois, sob a iluminação
deserta das ruas frias, se constrói a certeza do futuro imediato, se dão as
mãos e se partilham sonhos e desejos. Enquanto pelos dias longos de verão se
trocam prendas e se fundem corpos, certezas de marés cheias e águas mornas, como
se a solidão do cais já não sobrasse para nenhuma despedida. O mar é como o
sol, a praia coalhada de gaivotas tendo-o na ponta dos bicos: quando nasce, é
para todos.
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