Pensar África
Pensar
África é andar para trás, é regressar ao século passado. Evocar
Lépold Sédar Senghor e Aimé Césaire, sentir a negritude e o
humanismo que pensaram, pôr umas flores silvestres lá no sítio
onde moram hoje. Percorrer intermináveis caminhos de terra,
perder-se no meio das espigas altas dos capinzais, conviver com a
natureza tal como o passado no-la deixou, procurar ninhos de
siripipis, colher visgo nos troncos das mulembeiras, caçar catuitis,
derrubar morros de salalé, correr atrás das formigas voadoras no
fim das tardes mornas, encharcar-se sob a chuva tropical e chapinhar
na água vermelha correndo nas valetas.
Pensar
África é dizer saudade, falar umbundo, ficar sentado na beira do
rio, uma cana, um fio e um anzol com uma minhoca dançando na ponta,
atraindo a esperteza do bagre, peixe discreto de águas fundas, tanto
tempo que fica de noite. É ver este rio grande e triste, perdendo
energia, fugindo ao caminho da morte que o leva à foz onde, sem
glória, o mar ou o deserto o engolem como se fosse coisa nenhuma,
assim pequenina, de meter no bolso. É ter o céu por cima, como se
fosse capim de cobrir kimbo, só estrelas brilhando lá muito alto,
constelações, nomes que a gente não vai aprender nunca. E para
quê?
Pensar
África é sonhar outro futuro que nenhum tempo trouxe às anharas. É
ver que savana virou floresta de cimento, saparalos mais altos que os
mamoeiros uns em cima dos outros, a gente trepando para tirar um,
goiabeira ali mesmo no meio do mato, as goiabas maduras para a gente
comer junto com os sacanjueles, as mukuas nas alturas do imbondeiro,
nenhuma escada com o tamanho para subir assim tão alto, vá lá que
loengo não dá trabalho, é só comer. É correr atrás do arco de
barril que trazia o vinho do puto, preso a um fio e a um pau para lhe
dar movimento, os miúdos fazendo habilidades, o tempo passando no
caminho dele.
GLOSSÁRIO RUDIMENTAR
Alguns
termos constantes do texto podem não ser de todo entendidos por quem
o ler. Este glossário pretende apenas auxiliar nesse entendimento,
baseando-se no conhecimento adquirido diretamente, por via oral, e em
pesquisas sem rigor científico, que pertence aos investigadores. Mas
esperamos que, para além disso, ele possa auxiliar a compreender o
texto, porque esse é o seu único propósito.
Siripipi
– ave de pequeno porte, rabo-de-junco.
Visgo
– seiva gelatinosa e pegajosa de diversas árvores, utilizado para
aprisionar pequenas aves quando pousam sobre ele.
Mulembeira
– ou mulemba. Figueira africana, de seiva leitosa e gelatinosa.
Catuiti
– ave de pequeno porte, peito celeste.
Salalé
– formiga branca angolana, do género das térmites.
Umbundo
– dialeto angolano falado por cerca de um terço da população do
país, especialmente nas províncias do Bié, Huambo e Benguela.
Bagre
– peixe de água doce, predador, vivendo junto aos fundos de cursos
de água.
Kimbo
– ou quimbo. Pequeno povoado ou aldeia, composto por edificações
ligeiras, cobertas de colmo ou capim.
Anhara
– planície arenosa e de vegetação rasteira, frequentemente na
proximidade de cursos de água.
Saparalo
– Edifício alto, de mais de um só piso.
Momoeiro
– árvore que produz o mamão.
Goiabeira
– árvore que produz a goiaba, fruto que atualmente pode ser
encontrado em algumas superfícias comerciais.
Sacanjuele
– ou sacajué, no singular. Ave de pequeno porte, embora superior
ao do siripipi e do catuiti.
Mukua
– fruto do imbondeiro ou do baobá.
Imbondeiro
– ou baobá. Árvore de grande porte, como o exemplo da ilustração
que acompanha o texto.
Loengo
– fruto roxo do tamanho de uma pequena ameixa, produzido por
arbustos de pequena altura.
Puto
– Portugal.
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