Vermelho e branco, as cores da vida
Esta
chuva miúda que atravessa a tarde que amanhece e pulveriza o céu
onde não mora mais nenhuma réstia de azul. Só um cinzento
esquálido, uniforme e triste, sobre o qual se projectam os braços
descarnados das árvores, numa súplica de sol, flores e verde que
começam a adivinhar-se nos botões que se vão formando nas pontas
dos ramos das magnólias. Para já, só mimosas, uma invasão amarela
ladeando a beira das estradas, espalhando poleiros agressivos e
invadindo terras entregues ao pousio e ao abandono daninho.
Uma
tarde assim, carregada de tristeza, trazendo-te ao olhar sereno e
meigo o brilho baço da humidade que te chega às pálpebras,
silenciosa e breve, até que as lágrimas te saltem pela face,
tumultuosas como a nascente de um rio de montanha e o ruído do
soluço se assemelhe ao estrépito com que as ondas altas se desfazem
contra os molhes que a engenharia dos homens semeia à entrada dos
portos onde se abrigam os navios. E assim foram tantos dos teus dias,
o teu corpo abandonado à quietude da cama e à falta de alimento a
que faltavas, que me doeu a alma e, em silêncio, me sangrou o
coração.
E
tu ausente, para lá da bruma que encharca o horizonte e há-de
engolir o dia, entregue à lentidão com que as horas se escoam nos
relógios, o sol das papoilas adivinhando-se numa folha de calendário
como num poema de Drummond, a primavera quase à espera quando se
dobrar fevereiro, como ele dizia a China é vermelha e branca, tem as
cores da vida. A vida também te voltou como uma benção, que o sol,
e as árvores e as flores e todos à tua volta aplaudiram, porque
regressou cheirando a vitória e carregada de triunfos. Sê bem
vinda, de regresso a ti própria, o olhar tranquilo, as lágrimas
para lá do sítio onde acabem todos os rios, a confiança estampada
no sorriso franco e no abraço forte com que recebes cada dia que
nasce a oriente.
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