20 de fevereiro de 2015

Vermelho e branco, as cores da vida

Esta chuva miúda que atravessa a tarde que amanhece e pulveriza o céu onde não mora mais nenhuma réstia de azul. Só um cinzento esquálido, uniforme e triste, sobre o qual se projectam os braços descarnados das árvores, numa súplica de sol, flores e verde que começam a adivinhar-se nos botões que se vão formando nas pontas dos ramos das magnólias. Para já, só mimosas, uma invasão amarela ladeando a beira das estradas, espalhando poleiros agressivos e invadindo terras entregues ao pousio e ao abandono daninho.

Uma tarde assim, carregada de tristeza, trazendo-te ao olhar sereno e meigo o brilho baço da humidade que te chega às pálpebras, silenciosa e breve, até que as lágrimas te saltem pela face, tumultuosas como a nascente de um rio de montanha e o ruído do soluço se assemelhe ao estrépito com que as ondas altas se desfazem contra os molhes que a engenharia dos homens semeia à entrada dos portos onde se abrigam os navios. E assim foram tantos dos teus dias, o teu corpo abandonado à quietude da cama e à falta de alimento a que faltavas, que me doeu a alma e, em silêncio, me sangrou o coração.

E tu ausente, para lá da bruma que encharca o horizonte e há-de engolir o dia, entregue à lentidão com que as horas se escoam nos relógios, o sol das papoilas adivinhando-se numa folha de calendário como num poema de Drummond, a primavera quase à espera quando se dobrar fevereiro, como ele dizia a China é vermelha e branca, tem as cores da vida. A vida também te voltou como uma benção, que o sol, e as árvores e as flores e todos à tua volta aplaudiram, porque regressou cheirando a vitória e carregada de triunfos. Sê bem vinda, de regresso a ti própria, o olhar tranquilo, as lágrimas para lá do sítio onde acabem todos os rios, a confiança estampada no sorriso franco e no abraço forte com que recebes cada dia que nasce a oriente.


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