A água da chuva não te seca a roupa
A
água da chuva não te seca a roupa nem provoca a dor que te escorre do coração
como um saltinho de pardal, bicada aqui, bicada ali, colhendo as alergias que
se espalham com o vento norte e o pólen que ainda sobra das flores que resistem
nos ramos longos das acácias. Tudo tem o seu tempo, exato e incerto, como os
segundos caindo dos ponteiros dos relógios de cozinha a cada ano bissexto, mais
um dia no calendário de fevereiro, menor é o tempo necessário para a fritura
dos bolinhos de bacalhau, transpirando ao verde aromático da salsa.
Os
olhos meigos das crianças são amendoeiras em flor estendendo-se pelos penhascos
à beira Douro, tão longos que vão para além da foz, até ao mar alto onde se afundam
as inutilidades do dia a dia. E tu, descalça, um vestido de tule branco, caminhas
sobre a espuma das ondas que se aquietam no horizonte como se te temessem o mau
génio e a insegurança com que o vestes para se chegar à pia batismal, a receber
o santo sacramento. Enquanto o dia nasce de primavera cinzenta de fevereiro e o
sol se esconde à espera que o governo decrete a mudança da hora e ele possa
recolher-se quando se calarem os sinos das igrejas.
Sozinho
digo que é cara a electricidade produzida por chineses e, de repente, as linhas
férreas enchem-se de comboios movidos a vapor. E surgem reedificados os
lavadouros públicos sob o céu sombrio das Fontaínhas, com mulheres subindo a
calçada da corticeira, carregando à cabeça molhos pesados de carqueja para
atiçar os fogos de verão e assar as sardinhas pelo São João. Todas as máquinas eléctricas
fabricadas na Coreia vão enchendo os depósitos de sucata que se multiplicam ao
longo da avenida, sob o olhar impotente da vereação e do polícia de serviço.
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