Na desmorte de Herberto Helder
A
morte que já não tinha mestre, ficou órfã. As tuas palavras únicas desceram do
Pico do Arieiro, debruçaram-se sobre o Curral das Freiras, invadiram as ruas de
Porto Moniz, incomodaram os corredores alcatifados do Palácio da Vigia onde um
homem sem nome escolhia as cuecas com que se apresentaria no desfile
carnavalesco, escondendo as ideias e as misérias, da cabeça e das partes
baixas.
De
repente deixou de haver espelhos de cristal, nem estilhaços sobram para que a
diligência anónima de uma vassoura os junte a um canto deste ano de sol e
vento, ainda sem flores naturais colorindo a vida dos jardins e as bancas do
Mercado dos Lavradores. E bem que o foste dizendo, palavra atrás de palavra, em
cada verso que escreveste, em cada livro que não reeditaste, em cada silêncio
que se fez noite de lua nova, enquanto te mantinhas vivo e lentamente adormecias
para a viagem.
Assim,
de um fôlego, queria ser capaz de copiar-te o talento, aprender-te a sabedoria
dos anos, dizer de enfiada todos os poemas que fizeste com que brilhasse a Fonte
Luminosa e enchessem a arena do Campo Pequeno, onde não há placas a anunciar
que é proibido fumar e os animais podem entrar livremente, lado a lado com os
homens, pequeninos e ridículos, presos no meio de um par de cornos.
Depois
escolher o ambiente seleto de uma tasca do Cais do Sodré, onde ainda se venda
vinho a copo, e ler-te toda a Ode Marítima de uma forma que só tu serias capaz
de ouvir e entender!
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