É tão longo este silêncio
É
tão longo este silêncio como os teus dedos esguios que acariciam os ventos sem
direcção que descem das montanhas nas noites de lua cheia. Atravessa o tempo, e
cada minuto dele, com o rigor de um relógio de cuco a que não deram corda e a
que sobrou inércia para se imobilizar, quieto e calado, sem anunciar manhãs.
Desde há três dias que conto esta ausência pelos dedos e que sinto que me
faltam dedos para te fazer presente e sentir o hálito fresco a hortelã pimenta
enchendo o sorriso que te sobe pelo rosto quando ris por perto e alegras todo o
espaço em volta das árvores ainda nuas onde desponta a folhagem.
Não
há razão para que não sobre aquele perfume suave da flor de tília para estes
dias que ainda faltam para que o verão se espalhe pelas praias e navegue pelos
bosques que não temos. Porque sem ti há só vazio e falta, nem verão, nem
praias, nem árvores, nem barcos no horizonte, procurando a barra e o abrigo do
porto. E a esta hora da madrugada cresce-me a insónia, só por adivinhar que não
há sonho que te faça vir pelo encoberto da noite, envolta na neblina de que se
vestem os candeeiros que dão alguma luz às ruas da cidade e um nevoeiro cerrado
para o regresso heróico de D. Sebastião, mesmo que este venha no bojo lúgubre de
um navio.
Estão
por inventar as palavras e os gestos com que se façam as despedidas, doces e
solenes. Não chegaram as letras do alfabeto para as construir e as sílabas
foram tantas que não se libertaram da garganta, deixando imóveis os lábios
finos, sem cobertura de nenhum baton. Não há vocabulário que se escape dos
dicionários e que se adapte às circunstâncias de que o momento se vestiu. As
palavras e a falta delas seguem o mesmo trajeto, lado a lado, como linhas
paralelas que se encontrarão apenas no infinito. Sem se saber a que esquina do
tempo e do espaço elas se encostam à parede e se deixam escorregar para o chão,
à procura de sossego e de descanso.
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