Quando a tarde anoitecer
Quando
a tarde desce, arrastando consigo o crepúsculo fresco destes últimos dias de
inverno, apetece-me sentar-me contigo num banco de um jardim público, segurar
as tuas mãos entre as minhas e prender ao esverdeado dos meus olhos o teu
sorriso alegre e natural, como o sortilégio da floração única das magnólias,
que hoje são flor e amanhã verde. Alisar-te os cabelos que uma brisa
vespertina, vinda de norte, espalha pela praia, sem provocar ondas nem
perturbar o descanso das gaivotas, morrendo na espuma branca das águas que o
mar deixa perto e cedo.
Depois
escrever-te uma carta, tão eloquente que dispensasse todas as palavras e todos
os gestos. E fosse, mais do que isso, todos os muitos poemas de amor que Neruda
e todos os poetas que ele não conheceu, tiveram tempo e inspiração para deixar
gravados neste granito agreste que conservamos e de que Torga tanto se
alimentou, inteiro e vertical, recusando convites, cargos e benesses carregadas
no dorso desértico dos camelos, olhando a paisagem sublime do Douro do alto
imponente dos penhascos, uma humilde ermida ao lado da paisagem.
Ser
capaz de te perguntar coisas simples e fáceis a que ousasses responder, serena
e tranquila, a sinceridade do teu olhar espalhando-se pela inquietação que se
me agita nas meninas dos olhos e se perde para além delas. Dizer-te que gostar
muito de ti não é mais do que sentir que te apeteceu dizer-me uma palavra,
esboçares um gesto curto e subtil com que os amigos se sentam à mesa das
esplanadas nos dias quentes de verão, enquanto as tardes anoitecem à volta de
um por de sol que arde onde o oceano se faz vida. E razão para ela!
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