26 de março de 2015

A faca não corta o fogo

A faca de Herberto Hélder não corta o fogo nem a morte sem mestre que não chegou a pousar nas estantes das livrarias, mas que se pode encontrar na feira da Vandoma, aos sábados de madrugada, na banca onde o espírito de Eugénio de Andrade a apregoa, em conjunto com a gata que lhe fugiu do poema e desistiu da intenção inicial de atravessar o rio Douro a nado para ir às provas de vinho fino nas caves da margem esquerda, e permanece em paradeiro incerto.

A faca da Deolinda serradora não corta o tronco do pinheiro, mesmo que se lhe tenha extraído toda a resina, com o fio rombo à falta de amolador, a quem roubaram a bicicleta e o apito, apesar da serradura espalhada pelo chão. Mas é óptima para cortar água, vento e sombras de paredes a que se acolhem cães vadios e sonhos que não couberam nos manuais de António Gedeão, enquanto este escrevia poemas químicos e orgânicos, só hidrocarbonetos e vapores de petróleo a infestarem o ar puro que respiramos, politicamente corretos nas palavras patrióticas dos deputados ignorantes e inúteis.


Por mim, reservei ontem um voo de baixo custo para Zurique, a caminho de Basileia, a tempo de apanhar o eléctrico em Claraplatz e chegar ao outro lado do Reno com os barcos descendo a corrente, tranquilamente navegando para Roterdão. E apanhar as bancas do mercado em Marktplatz cheias de flores exóticas e canivetes suíços, sem ferrugem na lâmina e uma cruz devota no cabo vermelho, à espera de uso. Capaz de degolar o voo plano de frangos virgens, de pescoço careca e passo inseguro. E ainda políticos na reforma, apoiados em bengalas, gozando os ares marítimos de Estrasburgo e o saldo  bancário de contas em paraísos fiscais nas ilhas das Caraíbas e no enclave da Madeira.

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