A caminho de Machu Picchu
Domingo
de ramos, uns curtos dias para a páscoa, a procissão inca subindo por todos os
carreiros de montanha que levam aos cumes de Machu Picchu, quando o degelo
ainda engrossa o caudal dos ribeiros que se precipitam pelo abismo das encostas.
As madrinhas que se acotovelam nas naves dos templos, enquanto entoam preces solenes
para o acto, empunham terços de madrepérola e vestem de branco, os
bolsos cheios de amêndoas de licor, à espera da saudação anual e respeitosa dos
afilhados, crentes e gulosos.
O
adro, amplo, da igreja, em secular e simétrica calçada portuguesa, que hoje
decora as praças do centro de Pequim, como que desenhadas à pena com a precisão
surrealista com que Cruzeiro Seixas libertava o pensamento à saída dos museus.
Os ramos de palmeiras espetados à entrada, como se fossem pés de milho já na
fase adiantada de deitar espiga e prometer pão, os raminhos de oliveira
vendidos aos portões por emigrantes romenos, a um euro cada um, celebrando a
paz universal e decretando, por consenso unânime, a libertação da Palestina e a
quadratura do círculo.
Terminada
a quaresma, o dia santo põe fim ao prolongado jejum e intensifica o combate à
pobreza, por decreto, e por actos, doando vinte cêntimos para a esquálida sopa
dos pobres que enregelam nos portais. E que morrem no inverno com a boca presa
ao gargalo de uma garrafa de vinho, como se só dali sobrasse alguma vida para
eles. Reunamo-nos à saída, findo o sermão e a eucaristia, a alma santificada
com a hóstia e a água benta, e encaminhemo-nos para o substancial cozido à
portuguesa que decerto encontraremos ao descer a rua dos caldeireiros. Não há
nada como a consciência tranquila de ter praticado o bem e contribuído para
alimentar os pobrezinhos!
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