Conversar com Deus
Agora seria o meu momento
para conversar com Deus, uma única vez. Não para Lhe pedir nada, não para Lhe
dar nada, mesmo que eu precise de tudo e Ele não precise de nada. Mas, chegado
à minha idade, à minha condição e ao meu estado, e a este beco insalubre e
triste em que a vida – e a vida são as pessoas e as circunstâncias que elas
próprias criam! – me encurralou, seria bom que, como diz Mário de Carvalho, trocássemos
algumas ideias sobre o assunto.
Não posso compreender nem
aceitar nenhum Deus, de oriente a ocidente, de norte a sul, de Mercúrio a
Plutão, em todo o espaço cósmico, conhecido ou não, que acima de todas as
coisas, se preocupe com o bem do seu numeroso rebanho, seja omnisciente,
omnipresente e omnipotente e, passivamente, assista e permita que os elementos
desse rebanho se enganem, se atropelem, se traiam, se roubem e se matem
livremente e sem oposição, como discípulos de um qualquer deus menor e desprezível.
Gostaria muito de poder
interpelá-Lo sobre algumas questões essenciais e elementares. Porque não me
pesa a consciência de ter feito tantos e tão grandes males que possam
justificar a desconsideração, a ignorância e a hostilização com que cada vez
mais sou contemplado e sinta cada dia como o verdadeiro inferno com que se
ameaçam os pecadores e se assustam as criancinhas. Não tenho sete palmos de
terra onde cair morto. Não vivi e não vivo à custa de ninguém. E procurei
ajudar os outros, solidariamente, fossem quem fossem, para além de todos e
quaisquer laços que nos unissem.
E, se assim tem sido, se
assim continua a ser, será que não terei, ao menos, direito aos meus sete
palmos de terra? Sem lamentos, sem dor, sem lágrimas e sem flores de ninguém?
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