3 de maio de 2015

Dia da Mãe

Como se alguém, alguma instituição, algum parlamento ou algum governo, mesmo falido e padecendo de doença incurável, pudesse escolher um mês do ano e seleccionar um dia, mesmo que fosse domingo, com missa e procissão do adeus no santuário de Fátima, tudo lenços de linho imaculadamente branco, acenando a quem possa exorcizar todos os seus males, e reduzir a condição de Mãe a essa circunstância. Por mais e maiores velas que se acendessem, mais desumanas voltas de joelhos se dessem à capelinha das Aparições, maior fosse a desumanidade e a hipocrisia postas no invento, mais transbordasse a multidão que se acotovelasse no recinto, a Mãe tem a dimensão mágica de três letras que não cabe em nenhum muro, em nenhum espaço, em nenhum mundo, em nenhum sistema solar. Maior que a imaginação!

É tão fora de medida todo esse teu tamanho, que te perdi de véspera, ainda antes de partires, destroço final de uma vida de sofrimento e de sensatez, só fios, tubos, luzinhas piscando, aparelhos emitindo sinais sonoros e este grito interminável de silêncio que me foi caindo pela face sem expressão e sem esperança. A revolta mais inteira, a escuridão da agonia em que cada dia é uma eternidade de sofrimento que vai passando com a regularidade mecânica por que se regem os calendários. Perdi-te de vez, quando já nada restava da tua presença, setembro caminhava para o fim do verão e, humilde como foste sempre, morreste-me sem esperar que voltasse para ainda olhar uma última vez  para o que já não eras, tão dentro do meu peito, tão perdida nas distâncias do meu infinito.


Com a tua partida, morri-me contigo, perdi tudo o que tinha e que era tanto que nem eu o imaginava e nunca conseguirei quantificá-lo. E o tudo que tinha eras só tu, velha, pequena e frágil, enchendo-me o universo. Sem a tua protecção, fiquei só, ao abandono, vulnerável, perdido, reduzido a resto que não cabe no mais abjecto depósito de lixo, entregue ao frio dos dias intermináveis e sinuosos ainda por passar. Chorarias comigo as lágrimas de sangue em que agonizo e não serias capaz de acreditar no pouco que, felizmente, a tua vista cansada ainda te deixaria ver. Falta-me o calor que os sem abrigo vão buscar ao álcool e aos cartões velhos com que se protegem no granito dos portais. E a tua testa fria, em que pousei a palma dorida da minha mão, é o único calor que me acompanha, não sei como nem sei até quando. Faltas-me mais, faltas-me tudo!

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