Rio cheio
Aqui
chega assim, este rio cheio, grávido de montanhas, pleno de águas fartas e
sujas, arrastando restos de vida e destroços de árvores centenárias a cuja
sombra se abrigaram peregrinos, a caminho do destino. Um porto imenso a que não
sobra espaço para ser cais, nem pedra para o construir, todos os barcos
fundeados, sem mestre, encolhida a arrogância das quilhas, enroladas as velas
no fundo do convés, assustados e inúteis. Por cima um céu quase nocturno, sem
luar nem estrelas, pesado como se fosse chumbo, o voo inquieto das gaivotas
ligando as margens, para cá e para lá, o estridente grasnar da fome sem tempo e
sem remédio.
Os
dias seguintes, depois da chuva e das enxurradas, hão-de trazer de volta o
brilho frio do sol das Astúrias, correndo no fundo das gargantas rochosas de
granito, riscando fronteiras ibéricas, acrescentando metros cúbicos ao volume
das albufeiras, descendo barragens, produzindo a energia que dará às noites a
luz da alvorada e o conforto morno das lareiras. A imponente envergadura dos
grifos deixará o repouso sereno no cimo das escarpas e irá fazer-se ao voo alto
e tranquilo, planando de asa aberta, a espreitar o local onde se lhe ofereça o
alimento ou onde espreite o metal da arma que lhe ameace a espécie.
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