18 de fevereiro de 2016

A noite passada num desassossego

A noite passada num desassossego inquieto, como se fosse um livro, a tua respiração serena repousando no meu ombro, duas verdes colinas de áfrica adormecidas no teu peito, um oceano inteiro nascendo-te nos pés, uma margarida singela a adornar-te a certeza dos passos. Depois, o sobressalto da madrugada, quando a chuva intensa se precipita sob a luz dos candeeiros e a explosão fulminante dos trovões e o ar assustado dos teus olhos se aconchega à protecção morna do meu corpo. E aí fica, sentindo a segurança que não deixa os presos evadirem-se das cadeias nem os barcos soltarem-se das amarras. Lentamente, o dia amanhece nos teus dedos e a alvorada chega sob o som magoado de um trompete, como se Louis Armstrong tivesse voltado só para nós.


Depois é a luz tímida de um sol de inverno, frio e dócil, que me traz a voz com que me despertas, macia como veludo, chegando-me num sussurro como se tivesse já percorrido a longa distância a que ficam as galáxias. Acompanha-te um riso matinal fresco e solto, igual ao chilreio dos pássaros que esvoaçam irrequietos na manhã, ao sabor da brisa que agita os canaviais à beira dos ribeiros e os dias de março que já sabem ao vermelho das papoilas. Ao mesmo tempo que os caracóis desfeitos dos teus cabelos soltos me caiem sobre o rosto e a tua boca túmida me deposita a ternura espontânea de um beijo sobre os lábios ansiosos.

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