A nostalgia é como um rio
A nostalgia é como um rio
que desperta no cimo da montanha, tímido e cristalino fio de água, espreguiçando-se
ao ritmo lento a que o dia vai clareando, o sol ainda baixo espreitando por
entre as fragas, esfregando os olhos com a mesma indolência com que a ramela da
noite lhe foi colando as pálpebras. Adquirindo a rebeldia ingénua da criança
descalça, que desce aos saltos o alegre declive das pedras da encosta,
acomodando-se ao leito, ganhando corpo, púbere e ansioso por chegar depressa à
planície e sentir o aconchego do manto verde das margens que lhe acariciam o
corpo, como bálsamo que o acalma e o fortalece.
Depois, alagando o leito já
plano onde crescem arrozais e ainda juncos, a nostalgia vira tristeza, não há
mais lugar para os penhascos que de há muito ficaram para trás. O rio é grande
e solitário, de águas muitas e cor barrenta, sem pessoas e sem barcos, galgando
diques, enchendo casas, ameaçando vidas e arrastando coisas e animais. Nada lhe
resiste e muito pouco o enfrenta, irado ruge quando passa, atemoriza,
espraia-se mais quando é seu todo o horizonte, aproxima-se da foz para o combate
final com o oceano que o espera, a espuma branca na crista das ondas que apagam
a luz alta dos faróis. E perde, e aí morre e aí não é mais do que um fio de
sangue sujo que vai esmorecendo pelo mar dentro, sem glória, até desaparecer.
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