Meia dúzia de degraus
Meia dúzia de degraus, uma
porta que se fecha sobre si própria e quatro paredes ao longo das quais escorre
um silêncio viscoso e triste. Nenhum movimento, as persianas descidas, a
penumbra que, apesar de tudo, vence a resistência do cheiro à humidade e ao
bafio. Nenhuma presença, nenhum afecto, nenhum gesto atrás do qual se possa
arrumar a solidão de resmas de jornais que ninguém leu e que a rua acolherá
como resíduos. Livros novos, intactos, empilhados pelos cantos, expectantes e
virgens, um marcador reverente e dócil a espreitar por sob a capa, aguardando
por um primeiro leitor que o tire do enfado inútil.
Uma porta que se fecha sobre
si própria e meia dúzia de degraus que se estendem para a rua. E a rua exposta
à luz e às previsões do tempo, dias de chuva e dias de sol, a água
precipitando-se para as valetas, perdendo-se nos bueiros, encharcando o
empedrado. Prédios e gente numa azáfama quieta de ruído e de passos, subindo
escadas, encostando-se aos portais, esperando nas paragens dos autocarros,
acenando aos vizinhos. E, no entanto, nenhuma presença, nenhum afecto, nenhuma
brisa sob os passos com que se pisam as horas dos relógios no cinzento dos
passeios. A verdade simples e linear, entre parêntesis, “se eu casasse com a
filha da minha lavadeira talvez fosse feliz.”. Pois, talvez… talvez fosse!
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