Regressar à nascente
Regressar à nascente, como
um rio cansado com o mar e com as pontes. Desistir de barcos e de vagas,
barrigas grávidas de morte e de petróleo, gumes afiados de pedras e destroços.
Subir afluentes, escalar penhascos, abandonar-me de todo à paisagem e ao voo
atento e alto das aves de rapina, soberania única sobre o desfiladeiro que
encosta o azul do céu aos ventos agrestes que o açoitam. Desenhar-lhe de volta
as curvas apertadas do percurso, acariciar-lhe as arestas vivas e ameaçadoras
do granito, como se fossem seios erectos brilhando ao sol, esculpidos nos cumes
das montanhas.
Deixar o meu cansaço vertido
em todos os anos perfumados do teu corpo, o aroma divino da flor de tília, oásis
mágico no meio da imensidão das areias que preenchem a inclemência do deserto. Nem
rochedos, nem pirâmides perturbando a monotonia quieta de milénios, o Nilo
estendendo-se de polo a polo, como se não houvesse sol e o tempo fosse sempre
de lua cheia. As noites serenas de setembro, as vindimas feitas, o mosto
repousando no bojo das pipas, a cor dourada do outono dando contornos aos
socalcos e à madrugada. E tu por perto, apenas um véu de tule dando forma ao
silêncio das estrelas.
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