Acordei esta manhã às nove horas
Acordei esta manhã às nove
horas, como se fosse inverno e chovesse, e chovia. Toda a noite um suor frio a
transbordar-me do corpo, um sono profundo a afastar-me do sonho, como se a vida
se elevasse no horizonte e não houvesse nevoeiro. Mas na penumbra com que o dia
se anunciou, com a humidade a escorrer pelas paredes do quarto, de que ainda
resta alguma memória branca da cal, o relógio estava parado à cabeceira da
cama, cansado de tudo. Os ponteiros imóveis sobre o tapete, como se já não
houvesse tempo para andar e eles, definitivamente, tivessem desistido de dar
ordem à vida das pessoas e levar alimento à boca das crianças, sem horas nem
minutos.
Levantei-me sem que ouvisse
nenhuma música e sem que o calor morno da tua respiração me levasse o perfume
ao fundo das narinas. Estava vazio de tudo o copo onde diariamente deixo alguma
água com que possa matar a sede. Que já vem de domingo e que me dá, apesar de
tudo, alguma razão para pensar nos dias qua ainda faltam para acabar a semana,
sem ter como os medir. Não consegui, ainda assim, pedir-te que me estendesses a
mão que me não dás, se o não fizer. E por isso a mantiveste imóvel e silenciosa,
agasalhada sob um sorriso lento que te pende do olhar, sem te chegar à garganta
onde sufocas o grito que não chega a nenhum lugar. Mesmo assim me apetece
fazer-te perguntas ternas, como se fosse tempo de sementeiras, os dias futuros
aguardando pelo verde das searas, e eu pudesse esperar por respostas trazendo à
eira a fartura das colheitas, algures quando chega setembro.
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