Vinte e dois mil dias
Vinte e dois mil dias são
muito tempo, são muitos dias, mais do que todo o álbum “Long distance voyager” ou
mesmo todas as canções dos Moody Blues, em todos os palcos do mundo por onde
viajaram, durante anos e anos a fio. São campos de papoilas florescendo no
verde que leva os terrenos férteis do forte de Peniche até à região deserta e cosmopolita
das Berlengas, onde funciona o governo ideal de que falou Brecht. E que não
muda, por mais que chova e os ministros caiam dos telhados, escorrendo pelas
caleiras e perdendo-se nas sarjetas. Ainda assim, balançando na crista das
ondas, o diminuto barco que te leva, o mar agitado, os teus cabelos longos
desfraldados ao vento que vem de norte, reluzindo ao sol que espreita abaixo da
linha da maré, centenas de golfinhos subindo pelo horizonte, as caudas
desenhando um arco-íris perfeito, a física exacta da refracção total.
Um poema ao borralho, numa
noite de abril que ainda não tem espaço para as cerejas, enquanto a neve ameaça
acima de uma cota imaginária de novecentos metros, abaixo da qual os pinheiros
mantêm o verde da caruma e os pássaros cheiram a primavera, onde escolhem os
sítios de refúgio para esconder os ninhos e chocar os ovos. Ao serão, o fumo da
fogueira que se entranha no fumeiro, a gordura caindo gota a gota, alimentando
as chamas, escapando-se pela chaminé, uma nuvem branca espalhando-se na noite
escura. Na obscuridade, o frio irrequieto dos teus pés chegando-se à lareira, o
segredo das tuas pernas prometendo todo o calor das palavras que sussurras, os
braços que estendes por cima da cabeça, um brilho de desejo e sono caindo-te do
olhar e trazendo-te aos lábios sequiosos a cor explosiva do amanhecer.
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