A chuva na manhã fresca
A chuva na manhã fresca,
atravessando o equinócio, atrasando a explosão de verde nas copas quase nuas
dos plátanos, os teus ombros descobertos, a igreja do outro lado da praça, ao
fundo do adro amplo, onde se mantém desenhada uma enorme rosa-dos-ventos, obra
de arte de um qualquer calceteiro de que se perdeu o nome e a profissão. Os
guarda-chuvas abertos, atirando o céu limpo para lá do horizonte, como
mostrengos povoando o cabo das tormentas, vítima futura da boa esperança, as
quilhas brilhando à luz clara de um novo oceano, ainda por descobrir, rumos do
oriente fascinante e misterioso. A esperança na cor rosa dos teus lábios firmes
e ansiosos.
Depois, pela tarde, parece
que um vento invisível, vindo de leste, empurrou o ventre da borrasca para o
mar alto e foi desfraldando os cúmulos brancos pelo céu azul. Na tua sala, o
sol rompendo a semiobscuridade das cortinas, a lareira acesa, a lenha ardendo
num fogo lento, ao ritmo sincopado a que se dança um tango argentino, a gata
ronronando com aquele calorzinho súbito alisando-lhe o pelo lustroso. A mesa
posta, rectangular e longa, uma das pontas quase a fugir pela porta fora, sem
nenhum lugar marcado e todos os lugares certos. Os pratos alinhados, os copos
dispostos como se fossem uma escultura, os talheres arrumados com esmero, aguardando,
os guardanapos de tecido imaculadamente branco, dobrados com rigor geométrico.
Para o almoço!
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