Era ainda uma quase manhã de quinta-feira
Era ainda uma quase manhã de
quinta-feira, com os ponteiros dos relógios mal se esquivando ao desconforto da
sobreposição ao meio dia, e uma densa neblina nevoenta subindo pelas calçadas,
desde o cais das colunas. Pela rua do carmo acima, a voz rouca dos pregões e o
peixe nas canastras, à cabeça das varinas, pássaros presos em gaiolas
chilreando por detrás dos vasos ao sol, onde ameaça despontar o vermelho vivo
das sardinheiras e o cheiro vindo dos fogareiros onde se viram as sardinhas.
E Pessoa descendo da
brasileira do chiado, o chapéu enterrado na cabeça, os óculos de míope, um
triângulo isósceles pendurado no nariz, as calças curtas, o frasco de
aguardente aconchegando-lhe o bolso do casaco. As biqueiras dos sapatos como
quilhas de navios que não couberam no porto, todas as velas pandas, o vento
soprando de sul, fraco e morno, com o sabor a areia como se fosse nuvem que chegasse
do deserto. O rumo seguro, o destino certo, como se o olhar fosse um homem
imóvel
preso ao leme, indiferente às tempestades e às curvas do caminho, o abrigo à
espera sob a luz difusa das arcadas.
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