O amor não é nenhum sentimento complicado
O amor não é nenhum
sentimento complicado, nenhum aperto do coração, nenhuma insónia, nenhuma
arritmia. O amor é um conjunto de coisas simples, um sorriso breve, um aceno de
mão, um raio de sol, uma carícia nos cabelos, um abraço, uma lágrima furtiva ao
canto do olho. O amor é um ninho de cegonhas no cimo de uma chaminé abandonada,
a alimentação das crias a que ainda falta o voo, um saltinho de pardal num
terreiro de jardim, um soneto de versos decassilábicos, a métrica exacta, a
rima fluída e natural, um riso ingénuo de criança. O amor é a falta de abrigo
na noite fria, a partilha de um cartão a servir de enxerga num portal vazio,
uma ponta de cigarro apanhada do chão, dois goles de vinho barato que dão algum
calor à vida curta que sobra na noite longa.
O amor é partilha, não é nem
solidão nem abandono. O amor não é o frio do escuro subindo pela espinha, o
olhar triste e magoado, o desmazelo descuidado, o desalinho do cabelo e das
horas, a água da chuva correndo nas valetas, encharcando os sapatos rotos,
enregelando os pés quase descalços até às aurículas onde o sangue promete
parar. O amor não é o silêncio sentado na berma da estrada, o tronco curvado, as
mãos sobre os joelhos, o nevoeiro escorrendo pela humidade das paredes e
subindo o leito do rio, sem olhos que esperem pelo regresso da esperança na
quilha altiva das caravelas, o bojo transbordando de especiarias e do sol que
nasce a oriente. O amor não é nenhum mistério da estrada de Sintra, o amor é
simplesmente ver para fora e olhar em volta.
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