Olho para o dia como se não houvesse ruas
Olho para o dia como se não
houvesse ruas e o mesmo não fosse mais do que o muro alto ao longo do qual
arrasto as horas do relógio que não uso. E assim caminho, como se o mundo
inteiro não existisse para além deste estreito passeio, onde mal me cabem os
passos curtos e o olhar triste, sempre preso à biqueira dos sapatos e ao
nevoeiro das manhãs. Pode ser que um tempo infinito ainda se me abra à frente,
se afastem todas as águas do oceano para que eu seja igual, e o caminho se
alargue até chegar ao vermelho e branco de que se tinge a vida na grande
muralha onde, a oriente, moram as civilizações do passado e do futuro, e as
estrelas cintilam como peixes exóticos nos leitos verdes onde
correm os rios.
Não interessa sequer que
chegues, trazendo debaixo do braço a cruz para pendurar na porta da tabacaria,
quando a noite azul se acende sob o luar viscoso do quarto minguante e já não
há portas onde se possam deixar as chaves de casa e pendurar o casaco que
trazemos pelas costas. Veste uma camisa branca, com a frescura do linho em cada
fio por onde possa entrar o silêncio que acompanha a luz clara dos tempos de
verão. Deixa que o meu destino more nos dedos esguios da tua mão e que dela se
liberte o perfume que tem faltado à primavera e se solte a alegria que sempre
sobrou à simplicidade da música de África. Deixa-me que volte para trás, que
caminhe descalço e que encontre a beira do rio onde possas vir sentar-te
comigo!
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