Já esta manhã sobrou um sabor morno sob os lençóis
Já esta manhã sobrou um
sabor morno sob os lençóis e se soltou das torneiras um cheiro próximo do
outono, que se aproxima do tempo que cai dos calendários de parede. Encoberto
por uma neblina densa que se levanta dos rochedos, quando aí se desfazem as
ondas que se formam a meio do horizonte. Dentro de pouco tempo a lua cheia irá
emergir, pujante e inteira, do decote generoso da blusa que te veste, fará
chegar mais alto e mais longe a amplitude da maré e fará mais curtas as amarras
com que os barcos se furtam à rebentação e se forçam ao descanso, para poiso
indiferente do voo vespertino das gaivotas.
Não será tempo de eclipses e
isso não deixará que, de terra firme, nos vejamos ao espelho. E possamos atentar
nos carreiros que o mar e os anos nos foram desenhando pela face, como se
fossem uma completa rosa-dos-ventos, perfeito catavento sem norte fixo e sem
declinação magnética. Mas será possível sentir na mão todo o sistema solar e
chegar a constelações que, de outro modo, nunca sentiríamos a pender-nos da
algibeira das calças, como se fossem um lenço fino de algodão, sem nenhuma
necessidade da potência dos telescópios e dos complexos cálculos reservados ao
domínio das ciências exactas.
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