Chamar Cabo da Boa Esperança ao Cabo das Tormentas
Chamar Cabo da Boa Esperança
ao Cabo das Tormentas, deixar zarpar frágeis caravelas ateando fogo aos
promontórios, o Adamastor na ponta da língua afiada de Pessoa, uma jovem adolescente
adormecida, coberta por um véu de tule branco, virada para a gateira da porta
por onde às vezes entra a vadia liberdade dos felinos. O Índico ali logo ao
dobrar da esquina, como um rebelde pingo de água que caísse da torneira e se
fizesse onda que apenas fosse morrer às praias brancas de Madagáscar, deixando
os destroços de todos os naufrágios à deriva nas correntes frias do mar alto.
Águas transparentes como um aquário do tamanho do oceano, povoado de coloridos
peixes tropicais, os recifes de coral elevando-se do fundo, como uma submersa
cordilheira dos Himalaias.
A praia imensa de águas claras,
correndo pela linha indefinida da maré, um lugar sem tempo e sem horário, o
luar como se fosse sempre lua cheia, afagando as noites e as folhas das
palmeiras onde descansa uma brisa a que apenas falta o voo dos pássaros. Uma
miragem, como se um oásis lentamente nascesse no meio do deserto, logo abaixo
do cruzeiro do sul e de todas as estrelas de que se borda o firmamento. Nós
ali, imóveis e perfilados de medo, pensando que não houvesse verão e que o sol afinal
não servisse para nada. Aguardando pela nossa vez, como se estivéssemos nas
bichas dos centros de emprego e da distribuição de pão, como se o amor
precisasse de alimento. As mãos dadas, os dedos escorridos, o amor caindo em gotas
breves sobre o silêncio, e tudo tão natural como se fosse hoje.
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