1 de agosto de 2016

Há milhares de anos tudo era espaço

Há milhares de anos tudo era espaço ao meu redor, bandos de aves imponentes, de asa aberta, desenhavam algumas nuvens brancas em fundo azul e deixavam poemas de amor escritos no rasto geométrico do voo. Não havia cumulonimbus que brotassem do horizonte, como se fossem vulcões a ameaçar o verde virgem que enchia de florestas toda a paisagem que se estendia sobre os rios. Depois, uma sequência interminável de fenómenos foi limitando o espaço, reduzindo o tamanho das aves e construindo-lhe fronteiras, onde não pudessem ser mais do que prisioneiros sem culpa, vigiados de perto por uma nova espécie incapaz de voar pelos seus meios e de ver para além do outro lado da rua.


Hoje falta quase todo o espaço e sobram rotas sem asas para as voar e, à falta de forças, cresce a revolta que, à sombra dos ponteiros dos relógios parecia estar adormecida. Tudo é revolta, é cansaço que leva à berma do caminho e que aí nos paralisa, sentados, sem acção e sem sonhos que façam o céu azul, onde ainda se possam desenhar nuvens. A solidão que desce pelos olhos abaixo e os rios de sangue que ninguém vê e que encharcam o peito a que falta um apoio simples, um gesto de ternura, uma palavra calada que se não ouve, um voo. Mas que se sente tão profundamente, como se não houvesse nem mar para descobrir nem nenhuma distância para vencer e tudo, afinal, fosse mesmo aqui ao lado dos dias.

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